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    13/07/2018

    CRÔNICA| A língua como ela é

    Por: Nílson Lattari*
    Para um músico, a nota que está deslocada, mal direcionada, soa diferente. Por mais que ele esteja absorto em outros pensamentos, uma música sendo tocada, mesmo ao longe, caso haja um erro cometido, fatalmente o ouvido bem treinado e privilegiado acusará que alguma coisa está errada.
    Para um profissional de ensino, um graduado em língua portuguesa, ou que faça dela sua ferramenta de trabalho ou prazer, a concordância do verbo, o acento mal empregado, a vírgula, a ortografia, uma frase mal colocada em qualquer lugar, lida na espera do ônibus, na fugaz passagem por um reclame chama fatalmente a atenção. 

    Assim como o músico, o leitor apurado com o texto pressente quando alguma coisa soa mal, tanto no som como na representação gráfica. 

    Quando estava à espera de ser atendido em um comércio, vários cartazes anunciavam os diversos serviços do estabelecimento. Um deles chamou-me a atenção, pelos motivos acima. 

    O comércio anunciava “imãs de geladeira”. Na primeira tentativa do cérebro em decodificar o sentido do cartaz, a ideia foi a de diversos aiatolás iranianos pendurados na porta de uma geladeira, ou, na segunda hipótese, uma peça para imantar geladeiras, porque deveria ser “para geladeiras”. Tudo bem, você poderia dizer que o ímã do cartaz atraiu o pensamento. Não serei injusto, eu lia o cartaz despretensiosamente, sem o cuidado de verificar nada. 

    A imagem associativa chamou a atenção. Que falta nos faz um acento! Até mesmo um assento no meio de um auditório lotado nos faz falta. Mas aquele acento... doía. 

    Estrago feito, por que não imaginar que o ilustre comerciante poderia vender imagens de aiatolás como penduricalhos na geladeira anunciando a melhor farmácia, o melhor mercado, a entrega mais rápida? 

    Compre com a gente e leve o seu aiatolá representativo! Aqueles senhores graves, de barbas circunspectas agitando os braços, corpos inflados de ar, e vendendo os apetrechos do mundo capitalista. 

    Tudo bem. Tenhamos respeito às figuras daquela autocracia, mas que a tentação imantada no reclame não possa causar objeções ao pensamento. 

    Quanto estrago um erro de ortografia pode fazer? Pode simplesmente nos levar a um entrevero desagradável... e, logo com quem! Por um desenho um cartunista sueco está jurado de morte, um escritor ameaçado, um jornal bombardeado. Um erro de ortografia poderia causar uma perseguição ao nobre comerciante. 

    Logo adiante em uma loja de roupas anunciava-se “sobre tudo em promoção”. Imaginei se ele venderia informação, informação a mãos cheias, e não faltaria informação para todos, sobretudo. No entanto, resisti à tentação de propor ao comerciante que os vendesse aos imã de geladeira, cairia bem como roupas para eles. 

    Incrível como essas coisas se atraem. 



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