CAMPO GRANDE (MS),

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    22/05/2017

    Perito contratado por Temer diz que áudio não vale como prova e devia ir para o lixo

    Ricardo Molina diz que até um leigo perceberia impropriedades na gravação

    O perito Ricardo Molina diz que gravação de Temer deveria ser descartada © Jorge William / Agência O Globo
    Contratado pela defesa de Michel Temer para analisar o áudio da conversa entre o presidente e o empresário Joesley Batista, o perito Ricardo Molina afirmou nesta segunda-feira que a gravação seria imediatamente descartada em qualquer processo jurídico, e que deveria ser jogada no lixo, em função de diversos problemas.

    Em entrevista coletiva em Brasília, o perito afirmou que há problemas que seriam detectados até por leigos na gravação. Ele afirma que o áudio está "inteiramente contaminado por inúmeras descontinuidades, mascaramentos por ruídos, longos trechos ininteligíveis ou de inteligibilidade duvidosa e várias outras incertezas" e que "não poderia ser considerado como uma prova material válida", conforme escrito numa apresentação de Power Point exibida aos jornalistas.

    Ele apontou a baixa qualidade do aparelho usado por Joesley.

    — É uma gravação tão importante que estranha que tenha sido feita com um gravador tão vagabundo. Joesley poderia ter comprado um gravador mais caro — ironizou Molina.

    Segundo ele, todo o áudio deve ser descartado. O perito comparou com o consumidor que compra uma carne estragada: deve ser eliminada só a parte podre, ou deve ser jogada fora toda a peça? Segundo ele, a segunda opção é a melhor.

    — Quando trata de prova material, não existe prova mais ou menos boa. A prova é boa ou não é boa. Ela deveria ter sido considerada imprestável dese o primeiro momento.

    Molina ainda criticou a Procuradoria-Geral da República (PGR) por ter incluído ao processo uma gravação "nitidamente corrompida" sem ter realizado uma perícia mais rigorososa antes. O perito citou manifestação da Associação Nacional dos Peritos Criminais: "ao se ouvir o áudio divulgado pela imprensa, percebe-se a presença de eventos acústicos que precisam passar por análise técnica, especializada e aprofundada, sem a qual não é possível emitir qualquer conclusão acerca da autenticidade da gravação".

    No trecho em que Temer falou "tem que manter isso, viu", após Joesley informá-lo que fez pagamentos ao ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (PMDB-RJ) e estava agora de bem com ele, Molina disse que há seis possíveis pontos de edição.

    — Nesse intervalo de 17 segundos, foram detectados cinco pontos de alto risco. E meu assistente me ligou e disse que tem mais um. Agora são seis — afirmou Molina.



    O perito destacou ainda o trecho transcrito como "todo mês", quando Joesley fala de propinas pagas a Cunha. Com auxílio de softwares que transformam em imagens determinados sons, ele disse que, neste momento, a palavra que o empresário falou não termina com a letra S. A transcrição correta do que falou Joesley seria "tô no meio".

    Ele também rebateu a informação da Procuradoria-Geral da República (PGR), autora do pedido de abertura de inquérito, de que o áudio possui sequência lógica. Segundo Molina, uma conversa com vários trechos ininteligíveis, em especial os ditos por Temer, não pode ser considerada como tendo uma sequência lógica.

    Ele apontou várias descontinuidades, quando o som muda abruptamente, conforme pôde ser observado nos gráficos das ondas sonoras. Molina afirmou ainda que há vários pontos do áudio em que pode ter ocorrido a inserção de ruídos, para mascarar uma fala.

    — Colocar esse tipo de ruído é a coisa mais fácil do mundo. É como colocar um pedaço de fita num quadro. Não estou falando de um caso. Estou falando de vários — contou Molina.

    E destacou que o nome do arquivo mostra não se tratar do áudio original.

    — A gravação apresenada pelo delator é original? Não. Ele entregou uma gravação chamada "PR1 14032017". Por óbvio não pode ser original. O orignal seria "áudio 1", teria um nome chinês, mas nunca "PR1 14032017" — avaliou o perito.

    Segundo ele, a sincronia entre o tempo da gravação e a programação da rádio CBN - que Joesley estava ouvindo antes e depois da conversa com Temer - não prova que o áudio não foi manipulado. Molina apontou a existência de um ruído já na parte final, o que pode indicar a inserção de um ruído a fim de mascarar a edição e permitir introduzir o trecho da programação da CBN.

    — A gravação pode ser considerada autêntica? Tecnicamente, não — disse Molina enfaticamente, acrescentando:

    — A minha convicção é que essa gravação foi manipulada.

    Ele destacou que a perícia não trabalha com certeza, mas com probabilidade e verossimilhança. Na avaliação dele, os elementos presentes no áudio - mesmo sem ter o gravado em mãos - mostram a existência de edição.

    — É uma gravação tão contaminada que não deveria ser levada a sério. Só está sendo levada a sério pelo momento político do país.

    Questionado se a PGR foi ingênua ao usar um áudio que, segundo ele, tem problemas, Molina respondeu:

    — Aí a Procuradoria é ingênua sim e incompetente. Aquilo ("tem que manter isso, viu") é coisa de leigo, de quem não sabe mexe em áudio. Foi daí que surgiu uma artificial autenticidade. Eles não sabem mexer nada em áudio. Se colocá-los na minha frente, eles vão começar a gaguejar.

    Questionado sobre a qualidade do trabalho da Polícia Federal (PF), que ainda vai analisar o áudio, Molina disse:

    — Competência há. Eu espero que eles sigam o rumo normal de uma conclusão pericial. Se não chegarem, eu vou contestar.

    Durante a apresentação do laudo de Molina, estava presente o advogado Gustavo Guedes, que defende Temer. Segundo ele, a manipulação do áudio pode contaminar todo o processo.

    — Essa contratação se deveu a informações divulgadas pela imprensa no sentido de que teria cortes nas gravações. A partir daí, a defesa procurou o melhor perito do Brasil. Pedimos que ele organizasse e pudesse fazer o trabalho no final de semana - afirmou Guedes.

    DEFESA DE TEMER RECUA NO STF

    Mais cedo, os advogados do presidente desistiram do pedido de suspensão do inquérito no Supremo Tribunal Federal. O pedido havia siso feito com o argumento de que as gravações feitas pelo dono da JBS no Palácio do Jaburu teriam sido editadas. A mudança da estratégia da defesa de Temer foi divulgada após a ministra Cármen Lúcia, presidente do STF, informar que o julgamento do recurso do presidente só seria levado ao plenário da corte após conclusão da perícia.

    "A necessidade de apreciação do pedido de suspensão do inquérito acha-se prejudicado, por falta de interesse processual", diz a petição da defesa apresentada ao STF. Caberá a Fachin decidir se coloca em votação no plenário a suspensão do inquérito. A tendência é que isso não aconteça mais, diante da desistência da defesa.

    A Polícia Federal informou que recebeu na tarde desta segunda-feira um dos dois gravadores usados pelo dono da JBS. A PF não informou, porém, se este foi o gravador usado para gravar o diálogo com o presidente.


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