CAMPO GRANDE (MS),

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    08/08/2016

    Opinião | As Inflexíveis Leis da Corrupção

    Carlos Augusto de Almeida Ramos, vulgo Carlinhos Cachoeira, empresário brasileiro conhecido por envolver-se em diversos escândalos relacionados a corrupção - Divulgação

    Como sabemos, a corrupção no Brasil ocorre de forma endêmica e sistemática, em todas as esferas governamentais, e em todos os governos, sejam eles de nível municipal, estadual ou federal. Não obstante, é de conhecimento comum que a corrupção não envolve apenas políticos, mas empresários, empreiteiros e banqueiros, além de gestores e agentes públicos, de diversos escalões. 
    Fernando Cavendish, presidente afastado da Delta Construções, um dos suspeitos da Operação Saqueador, da Polícia Federal - Divulgação

    Problema emblemático do Brasil, de impossível resolução, profundamente arraigado a todas as esferas sociais, a corrupção na esfera pública anda de mãos dadas com a corrupção no setor privado, que muitas vezes se sustenta por apropriar-se indevidamente de verbas públicas. Para isso, utiliza-se de todos os artifícios que estiverem à sua disposição, sendo todos eles incrivelmente variados, dependendo da verba a ser apropriada, de qual governo será desviada – municipal, estadual ou federal –, se contará com eventual suborno e envolvimento de agentes públicos, ou não, tipos de documentos a serem fraudados, contrapartidas a serem apresentadas para eventual fiscalização e prestação de contas, registros, balanços, a coisa toda.

    Muitas vezes, a corrupção não ocorre necessariamente infringindo a lei, mas aproveitando-se de brechas existentes na legislação, que esquecem de regulamentar todas as etapas de uma determinada licitação ou processo. Como os seres humanos não são capazes de pensar em tudo, sempre é possível, através de meticulosa análise e atenção, encontrar falhas em licitações e documentos governamentais, que permitirão aos contraventores apropriarem-se indevidamente de verbas públicas, muitas vezes sendo capazes de edificar e construir um enorme monopólio em determinado negócio ou segmento, através de processos e licitações constantes. Enfermidade pública com enormes implicações negativas para as empresas prejudicadas, que teriam o mesmo direito de usufruto de verbas através de um processo legal, o monopólio de determinadas empresas em segmentos específicos é uma enfermidade pública particularmente pouco endereçada no Brasil. O que contribui para a enormidade do problema é o total descaso e a completa indiferença da mídia, interessada apenas em escândalos federais. Escândalos municipais ou estaduais não vendem jornais. Portanto, raramente são pronunciados, verbalizados ou divulgados. E, por conseguinte, quase nunca são resolvidos.

    Não obstante, é do governo federal que normalmente são desviadas as maiores verbas. Recentemente, a operação saqueador, que vêm sendo realizada pela polícia federal em parceria com o ministério público, desbaratou um esquema de empresários que seriam responsáveis por um rombo de 370 milhões de reais dos cofres públicos. Cláudio Abreu, Marcelo José Abudd, Adir Assad, Carlos Augusto de Almeida Ramos – mais conhecido como Carlinhos Cachoeira – e Fernando Cavendish tiveram suas prisões preventivas decretadas, como os principais suspeitos do esquema. A Delta Construções, empresa da qual Fernando Cavendish foi presidente por dez anos, passou a ser investigada por irregularidades administrativas. Tendo aumentado o patrimônio da empresa em mais de vinte vezes – que de cinquenta milhões, em 2001, passou a valer um bilhão e cem milhões de reais em 2011 – o exponencial crescimento e o desmesurado sucesso financeiro da Delta passou a ser visto como suspeito, exorbitante e sem justificativas plausíveis, especialmente por ter ocorrido em tão curto espaço de tempo. Ganhando licitações para a construção de diversas obras em todo o território nacional, o enriquecimento e o crescimento da empresa provavelmente se deram através de meios ilícitos, que passarão a ser investigados pela polícia federal. Não obstante, o STJ liberou Carlinhos Cachoeira e Fernando Cavendish mediante Habeas Corpus, que passarão a cumprir prisão domiciliar, e só não foram liberados antes por problemas na aquisição de tornozeleiras eletrônicas, em função dos problemas financeiros do governo do estado do Rio de Janeiro, que não estava pagando a empresa responsável por fornecê-las. Posteriormente Marcelo José Abudd e Cláudio Abreu também foram liberados. Além dos já citados, duas dezenas de outras pessoas foram implicadas no esquema.
    Carlinhos Cachoeira, depois de ser preso pela Polícia Federal - Divulgação

    Não obstante, sabemos que a profundidade do problema, terrivelmente arraigado a todas as esferas da sociedade brasileira, jamais terá uma resolução em definitivo, especialmente quando compreendemos todos os mecanismos que permitem a propagação e a disseminação da corrupção. Quando entendemos que a corrupção na esfera pública anda lado a lado com a corrupção no setor privado, com um grande número de empresas de todos os portes se sustentando e aumentando avidamente seus lucros através de posse indevida de dinheiro público, percebemos os mecanismos inerentes a todas as etapas do processo, assim vendo quão profundamente arraigado ele está à sociedade brasileira como um todo.

    Bancos, estatais, empresas privadas, repartições públicas, estão todos inerentemente contaminados. E solucionar um problema que envolve outras mazelas igualmente perniciosas, como má-gestão, excessiva burocracia, tráfico de influência e letargia das partes envolvidas é tão improvável quanto impossível. Outro problema sistemático que envolve a corrupção é a constante incapacidade da justiça em manter corruptores atrás das grades. Homens há muito conhecidos da justiça, como o já mencionado Carlinhos Cachoeira, acumulam em suas vidas públicas um enorme número de escândalos, casos e prisões, que pouco ou em nada pesam, quando a questão é mantê-los encarcerados. Isso se deve a um fato que expõe outros problemas, concernentes a justiça no Brasil: um sistema judiciário complacente e um código legislativo condescendente. Em um sistema frágil e perpassado por inescrutáveis debilidades, que protege os culpados e pune as vítimas, o que podemos esperar de bom? 

    Isso tudo ocorre porque a corrupção faz um movimento descendente. Ela ocorre de cima para baixo, e não debaixo para cima, com um movimento que começa nas mais elevadas esferas da aristocracia pública, entre os homens detentores de altos privilégios, e elevados poderes de decisão. Como os homens públicos no Brasil fazem apenas leis para si próprios, e estão sempre legislando em sua própria causa e benefício, não devemos nos surpreender que as leias criadas, revogadas ou instituídas por eles sejam completamente condescendentes com todas as espécies de contravenções.

    Invariavelmente, a corrupção sempre traz consigo uma série de consequências diretas e indiretas, que afetarão de diversas maneiras, todas as parcelas da população, e, por incrível que pareça, afetará drasticamente, mais cedo ou mais tarde, até mesmo aqueles que inicialmente se beneficiaram dela. O desvio de verbas públicas – e o endêmico sistema que abastece a cadeia produtiva do mal, seus interesses, circulação de bens e produtos, e principalmente o enriquecimento ilícito – acontece em todas as esferas do poder, e em todos os governos. O Brasil, sempre tão compartimentalizado em um grande número de segmentos, esferas de poder, zonas de influência, regiões e instituições, perpetua na infinidade do seu desmesurado crescimento as inúmeras probabilidades que tão arbitrariamente passam a conflagrar um grande número de possibilidades para a corrupção. Em outras palavras, viver em um país onde a honestidade não têm vez, e todas as formas de contravenção têm recompensas diretas e indiretas, além de internas e externas, não é lá uma grande motivação para manter cidadãos agrilhoados a princípios benévolos. Diariamente, novos escândalos surgem nesse país, e o dinheiro do contribuinte acaba sendo sempre desviado para fins inescusáveis. Sabemos que boa parte do dinheiro que o cidadão brasileiro paga em impostos, em sua maioria, é destinado para a folha de pagamento de servidores públicos, principalmente de servidores públicos de nível federal, que ganham muito bem. E verbas públicas desviadas, de uma forma ou de outra, irão acabar sendo propriedade de alguém. De qualquer maneira, o dinheiro vai parar em contas bancárias particulares. Infelizmente, vivemos em um país onde verbas públicas e contas particulares acabaram sendo a mesma coisa. A disseminação da corrupção acabou com a livre concorrência, com a valorização da integridade e, de forma efetiva e generalizada, com toda e qualquer possibilidade de justiça. Homens ricos, não importa se suas fortunas são lícitas ou não, jamais vão presos. E quando vão, nunca ficam presos por muito tempo. Aqueles poucos que ficam, é em regime de prisão domiciliar. Que não é, nem nunca foi prisão de verdade. 


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