CAMPO GRANDE (MS),

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    17/06/2015

    A disputa por Sebastopol



    A cidade de Sebastopol, situada no sudoeste da península da Criméia – que, com a recente crise de 2014, tornou-se o centro de uma disputa entre a Ucrânia e a Rússia –, e que veio a estar, de fato, sob o controle das autoridades russas desde a ocupação, é considerada pelas autoridades ucranianas uma cidade com status especial, enquanto o governo russo a considera uma cidade federal, e, embora a administração, não apenas de Sebastopol, mas de toda a península, tenha ficado nas mãos dos dirigentes russos desde o princípio da crise política entre as duas nações, é evidente que a Ucrânia não pretende abrir mão desta importante cidade portuária tão cedo, ainda que, no presente momento, não dispunha dos meios necessários para reivindicá-la, tampouco retirá-la do controle russo, mesmo reconhecendo o fato de que Sebastopol possui uma independência local e uma autonomia política muito superior ao restante da península, em virtude das vantagens e dos benefícios resultantes de sua localização. 

    Como uma cidade portuária, Sebastopol é disputada tanto pela Rússia como pela Ucrânia, em virtude das enormes possibilidades comerciais, marítimas e navais, que lhe são proporcionadas pela sua distinta geografia, o que a torna um ponto estratégico de fundamental importância, em função de sua acessibilidade e navegabilidade por todo o Mar Negro, que possibilita um importante contato comercial, marítimo e costeiro com países como Romênia, Bulgária, Turquia e Geórgia, que, evidentemente, beneficia o governo que possuir em suas mãos o controle deste importante porto naval, bem como das riquezas financeiras e comerciais, que resultam como consequência natural desta importante rota marítima. 

    No entanto, as contendas e os desentendimentos por Sebastopol entre Rússia e Ucrânia não são recentes, e os atritos existentes em função da resultante discórdia entre os dois países têm uma longa história, que acentuou-se com a dissolução da União Soviética, quando a Rússia tentou assegurar-se, de forma veemente, do seu domínio sobre Sebastopol. Em 10 de julho de 1993, o parlamento russo aprovou uma resolução que considerava Sebastopol uma cidade federal, mas, após dez dias, o Conselho de Segurança das Nações Unidas declarou que repudiava a decisão do parlamento russo. 

    No entanto, pouco mais de um ano depois, as tensões aumentaram exponencialmente, quando Viktor Prusakov, um dos líderes de um grupo conhecido como Sociedade Russa da Criméia, ameaçou tomar a cidade a força, e estabelecer um governo russo em Sebastopol. 


    Apenas quatro anos depois, em 1997, Rússia e Ucrânia começaram a consolidar um tênue, mas pacífico acordo, sobre a posse da cidade portuária, que se tornou, então, posse da Ucrânia, com a condição de livre concessão de organizações e instituições do governo russo operando no território, que parecia então começar a usufruir de um novo e próspero período, de pacíficas relações políticas entre os dois países, com uma dinâmica de sólida e tenaz cooperação entre governos, ao menos aparentemente. 

    No entanto, a grande dificuldade em consolidar um novo status quo político sobre o território se manifestou de diversas maneiras, principalmente pelo fato de que, não apenas Sebastopol, mas praticamente toda a Península da Criméia, continuou sendo culturalmente russa, e o idioma russo permaneceu sendo a língua franca em todo o território, ainda que tentativas de “ucranizar” a população tenham ocorrido, sem resultados substanciais, no entanto, dada a fria, indiferente – e por vezes hostil – receptividade dos habitantes a uma cultura que percebiam como sendo intrusa e estrangeira, o que ficava evidente, principalmente pelo fato da grande maioria dos seus cidadãos não hesitarem em expressar sua predileção pelo russo. 

    De certa maneira, ainda que o mapa político declarasse Sebastopol – e o restante da península – como sendo território ucraniano, a Rússia passou a enxerga-lo como uma propriedade temporariamente ocupada por um governo estrangeiro, e o fato da cultura e do idioma russo estar amplamente difundido pelos quatro cantos da península certamente não facilitava, em nada, para o governo ucraniano a imposição de suas diretrizes políticas – o que deve ter sido motivo de grande contentamento no Kremlin. 

    Com todo este histórico de animosidade entre Rússia e Ucrânia, é mais fácil imbuir-se da percepção de que a crise de 2014 foi apenas o ápice de uma ardilosa disputa, e de um atrito político profundamente arraigado, em virtude do fato de que a posse de Sebastopol é uma pérfida e insidiosa novela de enormes proporções políticas, que já se prolonga há décadas, e certamente nenhuma das nações envolvidas dará o braço a torcer. 

    Em 2014, a ocupação da Criméia ocorreu simplesmente porque a Federação Russa considerou tomar aquilo que considerava seu por direito. Sebastopol, como ponto estratégico, naval, comercial e financeiro, é um eixo demasiadamente importante para se desperdiçar, e os resultados podem fazer a diferença na conjuntura política, estrutural, logística e militar da nação que a possuir. 

    A verdade é que esta é uma disputa que certamente poderá resultar em terríveis consequências, caso Rússia e Ucrânia não sejam capazes de mitigar suas diferenças, nem chegar a um acordo pacífico sobre a cidade portuária, que também é um importante centro de estudos de biologia marinha. 

    De qualquer maneira, a posse – evidentemente, não apenas de Sebastopol, mas de toda a Criméia – ainda que esteja, atualmente, de facto, debaixo do domínio russo – ainda é vista por grande parte da comunidade internacional como sendo da Ucrânia, que certamente usará o reconhecimento político a seu favor – para reivindicar um território que enxerga como sendo seu, por direito, em um conflituoso e ardiloso panorama político, debaixo do qual há uma oligárquica agenda de interesses, favorável ao eixo financeiro de uma plutocracia centralizadora, cuja única meta é tirar proveito dos prováveis ganhos resultantes da posse de uma rota propiciadora de riquezas, mesmo que para isso tenham que usar os mais arbitrários meios disponíveis, o que, provavelmente, resultará em ainda mais contendas, conflitos e desavenças políticas, em uma arena internacional tensa, que torna-se cada vez mais atribulada, instável, e desoladora, e parece levar governos a desentendimentos cada vez maiores, já que disputam a posse de riquezas a todo custo, jamais dispostos a ceder, nem calcular ou avaliar as consequências de suas desmesuradas ambições. Então, guerras acabam tornando-se inevitáveis, e situações ruins ficam ainda piores, o que resume muito bem a longa e atribulada história das relações políticas entre Rússia e Ucrânia: uma eterna disputa em um pérfido e insidioso caos constante.



    Por: Wagner Herzog

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