Ingrid Goldani ficou internada quatro dias na CTI de um hospital da capital.A jovem trabalhava no bar da casa noturna que se incendiou no domingo (27/1)
Pais de Ingrid comemoram a saída da filha da CTI no hospital (Foto: Caco Konzen/Ag. RBS/Folhapress) |
Um freezer da boate Kiss salvou a vida de Ingrid Goldani, 20 anos, estudante do quinto semestre de enfermagem da UFSM. A jovem trabalhava no bar da casa noturna no momento em que o local foi atingido por um incêndio, no último domingo (27), que deixou 235 mortos. Nascida em Santa Maria, Ingrid teve alta do CTI e segue internada no Hospital Conceição, em Porto Alegre.
No hospital, Ingrid gosta de checar as redes
sociais pelo celular (Foto: Luiza Carneiro/G1)
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Ingrid trabalhava atrás do balcão do bar e demorou para perceber o que estava acontecendo. Quando notou o fogo, o ambiente já estava tomado pela fumaça. "Quando ela se sentiu mal e viu que não conseguiria mais respirar, ela contou que abriu o freezer, colocou a cabeça dentro e puxou o ar puro", disse Flavio, irmão de Ingrid. O rapaz também estava na boate, mas perto da porta e conseguiu escapar ileso.
Quando recuperou o fôlego, a jovem contou para a família que pulou o balcão do bar, mas caiu e acabou pisoteada por algumas pessoas. "Um cara viu que ela estava caída e a pegou no colo para levar para fora. Nisso, meu filho tinha se dado conta que a irmã ainda estava dentro da boate", diz o pai Flavio Goldani, gerente de manutenção.
Os irmãos se encontraram do lado de fora da casa noturna. Ela estava se sentindo bem e foram juntos para casa. Mais tarde, ainda no domingo, Ingrid começou a se sentir mal e foi levada pela mãe para o hospital.
"Ela estava desde domingo sedada. Está com uma mancha preta no pulmão, queimou a traqueia e os brônquios", disse a decoradora Eliete Goldani, mãe de Ingrid.
No quarto, Ingrid consegue sentar e até pediu seu celular para checar as redes sociais. "Ela ficou muito feliz com as mensagens de apoio que os amigos deixaram", diz o pai. A expectativa da família é que a jovem receba alta no início da próxima semana. Enquanto se recupera, recebe apoio psicológico oferecido pelo hospital.
Ingrid Goldani trabalhava na boate Kiss em Santa Maria (Foto: Reprodução)
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Causas da tragédia
Quatro dias após o incêndio na boate Kiss, de acordo com relatos de sobreviventes e testemunhas, e das informações divulgadas até o momento por investigadores, é possível afirmar que:
- O vocalista da banda Gurizada Fandangueira segurou um artefato pirotécnico aceso.
- Era comum a utilização de fogos no palco durante apresentações do grupo musical.
- A banda comprou um modelo de sinalizador proibido para ambientes fechados.
- Pelo menos um extintor de incêndio não funcionou ao ser manipulado pelo segurança.
- Havia mais público do que a capacidade de 691 lugares apontada pelos Bombeiros.
- A boate tinha apenas um acesso, para entrada e saída, sem saídas de emergência.
- O alvará fornecido pelos Bombeiros estava vencido desde 10 de agosto de 2012.
- Mais de 180 corpos de frequentadores foram retirados dos banheiros da casa noturna.
- Cerca de 90% das vítimas fatais tiveram como causa da morte asfixia mecânica.
- Os equipamentos de gravação de imagens estavam em uma empresa de manutenção.
Prisões
Quatro pessoas foram presas na segunda por conta do incêndio: o dono da boate, Elissandro Calegaro Spohr; o sócio, Mauro Hofffmann; o vocalista da banda Gurizada Fandangueira, Marcelo Santos; e um funcionário do grupo, Luciano Augusto Bonilha Leão, responsável pela segurança e outros serviços.
Investigação
O delegado Marcos Vianna, responsável pelo inquérito do incêndio na boate Kiss, disse aoG1 na terça-feira (29) que uma soma de quatro fatores contribuiu para a tragédia ter acabado com tantos mortos: 1) o fato de a boate ter só uma saída e a porta ser de tamanho reduzido; 2) o uso de um artefato sinalizador em um local fechado; 3) o excesso de pessoas no local; e 4) a espuma usada no revestimento, que pode não ter sido a mais indicada e ter influenciado na formação de gás tóxico.
O delegado regional de Santa Maria, Marcelo Arigony, afirmou também na terça que a Polícia Civil tem "diversos indicativos" de que a boate estava irregular e não podia estar funcionando. "Se a boate estivesse regular, não teria havido quase 240 mortes", disse em entrevista. "Mas isso ainda é preliminar e precisa ser corroborado pelos depoimentos das testemunhas e os laudos periciais", completou.
Arigony disse ainda que a banda Gurizada Fandangueira utilizou um sinalizador mais barato, próprio para ambientes abertos e que não deveria ser usado durante show em local fechado. "O sinalizador para ambiente aberto custava R$ 2,50 a unidade e, para ambiente fechado, R$ 70. Eles sabiam disso, usaram este modelo para economizar. Usaram o equipamento para ambiente aberto porque era mais barato”, disse o delegado.
O vocalista da banda Gurizada Fandangueira, Marcelo Santos, admitiu em seu depoimento à Polícia Civil que segurou um sinalizador aceso durante o show, de acordo com o promotor criminal Joel Oliveira Dutra. O músico disse, no entanto, que não acredita que as faíscas do artefato tenham provocado o incêndio. Ele afirmou que já havia manipulado esse tipo de artefato por diversas vezes em outras apresentações.
Responsabilidades
A boate Kiss desrespeitou pelo menos dois artigos de leis estadual e municipal no que diz respeito ao plano de prevenção contra incêndio. Tanto a legislação do Rio Grande do Sul quanto a de Santa Maria listam exigências não cumpridas pela casa noturna, como a instalação de uma segunda porta, de emergência. A boate situada na Rua dos Andradas tinha apenas uma, por onde o público entrava e saía. Outra medida que não foi cumprida na estrutura da boate diz respeito ao tipo de revestimento utilizado como isolamento acústico.
A Brigada Militar informou nesta quarta que a boate não estava em desacordo com normas de prevenção contra incêndios em relação ao número de saídas. Segundo interpretação da lei, o local atendia as normas ao possuir duas saídas no salão principal. Mas as portas, no entanto, não davam para a rua, e sim para um hall. Este sim dava para a rua através de uma só porta. "Foi um ato possível que o engenheiro conseguiu colocar", disse o tenente coronel Adriano Krukoski, comandante do Corpo de Bombeiros de Porto Alegre.
Jader Marques, advogado de Elissandro Spohr, um dos sócios da boate, disse que a casa noturna estava em "plenas condições" de receber a festa. Ele falou sobre documentação da casa, segurança, lotação, e disse que a banda Gurizada Fandangueira não avisou que usaria sinalizadores naquela noite. O advogado ainda afirmou que o Ministério Público vistoriou o local "diversas vezes".
A Prefeitura de Santa Maria se eximiu de responsabilidade pelo incêndio e entregou alvará para a polícia que mostra data de validade de inspeção para prevenção de incêndio, feita pelo Corpo de Bombeiros. A prefeitura afirma que a sua responsabilidade era apenas sobre o alvará de localização, que é válido com a vistoria do ano corrente. O documento informa que a vistoria foi feita em 19 de abril de 2012.
O chefe do Estado Maior do 4º Comando Regional do Corpo de Bombeiros, major Gerson Pereira, disse na quarta que a casa noturna tinha todas as exigências estabelecidas pela lei vigente no Brasil. "Quem falhou, que assuma a sua responsabilidade. Nós fizemos tudo o que estava ao nosso alcance e não vou entrar em jogo de empurra-empurra", afirmou.
O Ministério Público do Rio Grande do Sul abriu um inquérito civil na terça para investigar a possibilidade de improbidade administrativa por parte de integrantes da Prefeitura de Santa Maria, do Corpo de Bombeiros e de outros órgãos públicos por terem permitido que a boate Kiss continuasse funcionando mesmo com as licenças de operação e sanitária vencidas.
Fonte: G1 RS
Por: Luiza Carneiro