CAMPO GRANDE (MS),

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    31/01/2013

    Jovem buscou fôlego em freezer para escapar da tragédia em boate

    Ingrid Goldani ficou internada quatro dias na CTI de um hospital da capital.A jovem trabalhava no bar da casa noturna que se incendiou no domingo (27/1)



    Pais de Ingrid comemoram a saída da filha da CTI no hospital (Foto: Caco Konzen/Ag. RBS/Folhapress)

    Um freezer da boate Kiss salvou a vida de Ingrid Goldani, 20 anos, estudante do quinto semestre de enfermagem da UFSM. A jovem trabalhava no bar da casa noturna no momento em que o local foi atingido por um incêndio, no último domingo (27), que deixou 235 mortos. Nascida em Santa Maria, Ingrid teve alta do CTI e segue internada no Hospital Conceição, em Porto Alegre.

    No hospital, Ingrid gosta de checar as redes
    sociais pelo celular (Foto: Luiza Carneiro/G1)
    Ingrid trabalhava atrás do balcão do bar e demorou para perceber o que estava acontecendo. Quando notou o fogo, o ambiente já estava tomado pela fumaça. "Quando ela se sentiu mal e viu que não conseguiria mais respirar, ela contou que abriu o freezer, colocou a cabeça dentro e puxou o ar puro", disse Flavio, irmão de Ingrid. O rapaz também estava na boate, mas perto da porta e conseguiu escapar ileso. 

    Quando recuperou o fôlego, a jovem contou para a família que pulou o balcão do bar, mas caiu e acabou pisoteada por algumas pessoas. "Um cara viu que ela estava caída e a pegou no colo para levar para fora. Nisso, meu filho tinha se dado conta que a irmã ainda estava dentro da boate", diz o pai Flavio Goldani, gerente de manutenção.

    Os irmãos se encontraram do lado de fora da casa noturna. Ela estava se sentindo bem e foram juntos para casa. Mais tarde, ainda no domingo, Ingrid começou a se sentir mal e foi levada pela mãe para o hospital.

    "Ela estava desde domingo sedada. Está com uma mancha preta no pulmão, queimou a traqueia e os brônquios", disse a decoradora Eliete Goldani, mãe de Ingrid.

    No quarto, Ingrid consegue sentar e até pediu seu celular para checar as redes sociais. "Ela ficou muito feliz com as mensagens de apoio que os amigos deixaram", diz o pai. A expectativa da família é que a jovem receba alta no início da próxima semana. Enquanto se recupera, recebe apoio psicológico oferecido pelo hospital.


    Ingrid Goldani trabalhava na boate Kiss em Santa Maria (Foto: Reprodução)


    Causas da tragédia

    Quatro dias após o incêndio na boate Kiss, de acordo com relatos de sobreviventes e testemunhas, e das informações divulgadas até o momento por investigadores, é possível afirmar que:

    - O vocalista da banda Gurizada Fandangueira segurou um artefato pirotécnico aceso.
    - Era comum a utilização de fogos no palco durante apresentações do grupo musical.
    - A banda comprou um modelo de sinalizador proibido para ambientes fechados.
    - Pelo menos um extintor de incêndio não funcionou ao ser manipulado pelo segurança.
    - Havia mais público do que a capacidade de 691 lugares apontada pelos Bombeiros.
    - A boate tinha apenas um acesso, para entrada e saída, sem saídas de emergência.
    - O alvará fornecido pelos Bombeiros estava vencido desde 10 de agosto de 2012.
    - Mais de 180 corpos de frequentadores foram retirados dos banheiros da casa noturna.
    - Cerca de 90% das vítimas fatais tiveram como causa da morte asfixia mecânica.
    - Os equipamentos de gravação de imagens estavam em uma empresa de manutenção.

    Prisões

    Quatro pessoas foram presas na segunda por conta do incêndio: o dono da boate, Elissandro Calegaro Spohr; o sócio, Mauro Hofffmann; o vocalista da banda Gurizada Fandangueira, Marcelo Santos; e um funcionário do grupo, Luciano Augusto Bonilha Leão, responsável pela segurança e outros serviços.


    Investigação

    O delegado Marcos Vianna, responsável pelo inquérito do incêndio na boate Kiss, disse aoG1 na terça-feira (29) que uma soma de quatro fatores contribuiu para a tragédia ter acabado com tantos mortos: 1) o fato de a boate ter só uma saída e a porta ser de tamanho reduzido; 2) o uso de um artefato sinalizador em um local fechado; 3) o excesso de pessoas no local; e 4) a espuma usada no revestimento, que pode não ter sido a mais indicada e ter influenciado na formação de gás tóxico.

    O delegado regional de Santa Maria, Marcelo Arigony, afirmou também na terça que a Polícia Civil tem "diversos indicativos" de que a boate estava irregular e não podia estar funcionando. "Se a boate estivesse regular, não teria havido quase 240 mortes", disse em entrevista. "Mas isso ainda é preliminar e precisa ser corroborado pelos depoimentos das testemunhas e os laudos periciais", completou.

    Arigony disse ainda que a banda Gurizada Fandangueira utilizou um sinalizador mais barato, próprio para ambientes abertos e que não deveria ser usado durante show em local fechado. "O sinalizador para ambiente aberto custava R$ 2,50 a unidade e, para ambiente fechado, R$ 70. Eles sabiam disso, usaram este modelo para economizar. Usaram o equipamento para ambiente aberto porque era mais barato”, disse o delegado.

    O vocalista da banda Gurizada Fandangueira, Marcelo Santos, admitiu em seu depoimento à Polícia Civil que segurou um sinalizador aceso durante o show, de acordo com o promotor criminal Joel Oliveira Dutra. O músico disse, no entanto, que não acredita que as faíscas do artefato tenham provocado o incêndio. Ele afirmou que já havia manipulado esse tipo de artefato por diversas vezes em outras apresentações.

    Responsabilidades

    A boate Kiss desrespeitou pelo menos dois artigos de leis estadual e municipal no que diz respeito ao plano de prevenção contra incêndio. Tanto a legislação do Rio Grande do Sul quanto a de Santa Maria listam exigências não cumpridas pela casa noturna, como a instalação de uma segunda porta, de emergência. A boate situada na Rua dos Andradas tinha apenas uma, por onde o público entrava e saía. Outra medida que não foi cumprida na estrutura da boate diz respeito ao tipo de revestimento utilizado como isolamento acústico.

    A Brigada Militar informou nesta quarta que a boate não estava em desacordo com normas de prevenção contra incêndios em relação ao número de saídas. Segundo interpretação da lei, o local atendia as normas ao possuir duas saídas no salão principal. Mas as portas, no entanto, não davam para a rua, e sim para um hall. Este sim dava para a rua através de uma só porta. "Foi um ato possível que o engenheiro conseguiu colocar", disse o tenente coronel Adriano Krukoski, comandante do Corpo de Bombeiros de Porto Alegre.

    Jader Marques, advogado de Elissandro Spohr, um dos sócios da boate, disse que a casa noturna estava em "plenas condições" de receber a festa. Ele falou sobre documentação da casa, segurança, lotação, e disse que a banda Gurizada Fandangueira não avisou que usaria sinalizadores naquela noite. O advogado ainda afirmou que o Ministério Público vistoriou o local "diversas vezes".

    A Prefeitura de Santa Maria se eximiu de responsabilidade pelo incêndio e entregou alvará para a polícia que mostra data de validade de inspeção para prevenção de incêndio, feita pelo Corpo de Bombeiros. A prefeitura afirma que a sua responsabilidade era apenas sobre o alvará de localização, que é válido com a vistoria do ano corrente. O documento informa que a vistoria foi feita em 19 de abril de 2012.

    O chefe do Estado Maior do 4º Comando Regional do Corpo de Bombeiros, major Gerson Pereira, disse na quarta que a casa noturna tinha todas as exigências estabelecidas pela lei vigente no Brasil. "Quem falhou, que assuma a sua responsabilidade. Nós fizemos tudo o que estava ao nosso alcance e não vou entrar em jogo de empurra-empurra", afirmou.

    O Ministério Público do Rio Grande do Sul abriu um inquérito civil na terça para investigar a possibilidade de improbidade administrativa por parte de integrantes da Prefeitura de Santa Maria, do Corpo de Bombeiros e de outros órgãos públicos por terem permitido que a boate Kiss continuasse funcionando mesmo com as licenças de operação e sanitária vencidas.


    Fonte: G1 RS
    Por: Luiza Carneiro