CAMPO GRANDE (MS),

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    01/11/2021

    ARTIGO| O vazio da CPI da Pandemia

    Foram 65 reuniões, 60 testemunhas, 69 indiciados, muitos gastos, desrespeito de sobra e perda de tempo. E os Estados e Municípios, para os quais a União despachou bilhões e bilhões de reais, continuaram ilesos?

     Autor: Odilon de Oliveira*
    1) Resultado da CPI. Depois de seis meses, chega ao fim mais uma comissão parlamentar de inquérito, da qual, com todo respeito a seus integrantes, não se extrairá proveito algum, a não ser politiqueiro, como de costume. Um banquete cuidadosamente preparo para a campanha de 2022, com todos temperos agradáveis ao paladar de aliados políticos. Foram 65 reuniões, 60 testemunhas, 69 indiciados, muitos gastos, desrespeito de sobra e perda de tempo. E os Estados e Municípios, para os quais a União despachou bilhões e bilhões de reais, continuaram ilesos? Qualquer jejuno em direito sabe que investigação de um fato tem que ser completa, envolvendo todos os personagens do cenário.

    2) Previsão constitucional. A Constituição Federal concede aos membros de CPI poderes de investigação próprios de um juiz, embora magistrado nenhum possa investigar. Na verdade, o que se via nas reuniões eram posturas tendenciosas, extremo desrespeito e afronta contra testemunhas cujas declarações desagradassem o gosto político dos inquisidores. Uma verdadeira pandemia. Nome bem merecido: CPI da Pandemia.

    3) Imparcialidade. Se a CPI tem poderes iguais aos de juiz, seria de se esperar, no mínimo, postura também de juiz, principalmente imparcialidade. A própria Constituição Federal, que autoriza a criação de comissões parlamentares de inquérito, impõe ao magistrado o dever de tratar com urbanidade as partes e testemunhas. Todavia, o que se viu nessa CPI foram atitudes desrespeitosas contra depoentes que destoassem do rumo traçado por seus dirigentes. Verdadeiras afrontas, além de prisão e quebras de sigilo, bancário e fiscal, sem qualquer fundamentação e muito menos imparcialidade ou equilíbrio. A única base que se viu para esses atos foram suportes político-partidários.

    4) Destino do material. Lido e aprovado o relatório de uma CPI, o resultado de tudo é encaminhado para o Ministério Público apurar responsabilidade civil ou criminal de eventuais infratores. Esse material, viciado na origem, terá alguma credibilidade no âmbito do Ministério Público e do Judiciário, onde, pelo princípio da imparcialidade, não há indução, intimidação ou afronta a testemunhas? Fica difícil dar uma resposta positiva. A parcialidade, visível na CPI, é um vício que torna imprestável qualquer prova colhida sob seu signo.

    5) Comissão Permanente de Segurança de Fronteira. Tamanho tempo perdido deveria ter sido aproveitado, por exemplo, viabilizando-se mecanismos que, em forma de coador, atingissem o grosso da criminalidade que assola nossa fronteira, principalmente o tráfico internacional de drogas e armas. Uma comissão de segurança de fronteira, integrada por deputados e senadores, em caráter permanente, com a colaboração de entendidos na área, teria sido mil vezes mais útil. Sem viés político, o Congresso Nacional tem que se preocupar, na prática, com essa situação.

    6) Alguns dados sobre a fronteira. Faixa de fronteira é a área compreendida por 150 quilômetros de largura e quase 17 mil quilômetros de comprimento, o que corresponde a 29% dos 8.500.000 km², ou a quase 1/3 do território nacional. É a área de faixa de fronteira indispensável à segurança nacional. São 10 países lindeiros e 11 Estados brasileiros, com mais ou menos 6% da nossa população, o que facilita a criminalidade transnacional.

    Uma comissão parlamentar de fronteira seria um instrumento adequado para estudar e conhecer bem essa realidade, criando maiores vínculos de colaboração com parlamentos de países vizinhos e gerando mecanismos e projetos adequados, inclusive para o desenvolvimento da região.

    Toda essa faixa de fronteira possui, no máximo, 30 delegacias de polícia federal, a maior parte com instalações inadequadas e todas com quantidade de policiais aquém do necessário. São menos de dois policiais para cada 17km de comprimento por 150 km de largura (2.500 km²). O Município de Campo Grande/MS tem 8.096 km², o que, na mesma proporção, geraria espaço para não mais de quatro policiais federais.

    A parte mais crítica da fronteira é a que faz divisa com a Colômbia, Bolívia, Peru, respectivamente, primeiro, segundo e terceiro maiores produtores de cocaína do mundo, e Paraguai, 2º maior produtor mundial de maconha e corredor de cocaína, totalizando em torno de 9 mil quilômetros de comprimento.

    Nem é preciso falar sobre a violência que as drogas provocam no Brasil e o flagelo na vida das pessoas e famílias, no mundo inteiro. É necessário que deputados e senadores conheçam, de perto, a pandemia das drogas, estarrecedora.

    A fronteira Brasil/Paraguai está cada vez mais violenta e por ela passam muita cocaína e 80% da maconha consumida no Brasil, isto fora o grosso contrabando de armas, agrotóxicos, 40% do cigarro aqui consumido e outros produtos, situação que afeta o meio ambiente, a saúde, o comércio interno e a geração de empregos. O PCC estendeu sua atuação até o Paraguai exatamente por conta das drogas, mercado mundialmente lucrativo e devastador sobre todos os aspectos.

    Essa violência não será reduzida se não houver uma atuação conjunta, dela participando o Executivo, Judiciário e Legislativo de cada país afetado, formando-se, na prática, uma única base territorial para efetiva prevenção e repressão. Isto não fere normas da soberania nacional. É apenas uma estratégia de combate ao crime organizado transnacional.

    Com a palavra o Congresso Nacional.

    *Odilon de Oliveira é juiz federal aposentado, com mais de três décadas de atuação na faixa de fronteira.

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