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    15/02/2021

    Saúde Mental: sobre os diagnósticos de Depressão

    Por: Kamila de Souza*
    De acordo com uma pesquisa realizada pela USP - Universidade de São Paulo, publicada há 7 dias, o Brasil é campeão nos casos de depressão desde o começo da Pandemia de Coronavírus.

    Bem, é inquestionável que ter a liberdade barrada, a saúde dos seus (e de si mesmo) em risco e a morte a um braço de distância causou (e causa!) um corte muito específico no nosso modo de viver. O mundo é um espaço para o qual vamos e para o qual recriamos outras condições para lidar e suportar a vida. Como viver sem o lazer para suportar as 44 horas semanais? É onde muitos forçaram (e forçam) a realidade, indo à bares, participando de grandes festas, como se nada estivesse acontecendo.

    Hoje, subjetivamente, a realidade nos convoca para reinventar o modo de viver e de se relacionar, visto que a questão pandêmica desvelou muitas mazelas. O uso de máscaras nunca desmascarou tanta coisa como nos últimos tempos. "E aí é que tá!" Como suportar aquilo que, antes, era velado? Pais com filhos em casa, casais, amigos...

    Nossos consultórios estão movimentados por sujeitos que não sabem o que fazer e como fazer na vida agora. Nossa função tem sido, a cada dia mais, oferecer uma escuta que acolha a angústia e aponte para novas possibilidades com o que sobrou do que se achava que tinha antes. A incerteza, a dor, os excessos... tudo isso tem causado sofrimento e tristeza. E por falar nela, a tristeza é algo natural e, basicamente, normal da existência humana. Experimentar a tristeza faz parte do nosso percurso e é só através dela que passamos a nos medir com a nossa própria régua. Pela tristeza delineamos o que nos faz sofrer, o que nos alegra, aquilo que exige muito ou pouco de nós, os relacionamentos possíveis de suportar ou não. Enfim, a tristeza é um bom termômetro da vida. Mas e a depressão? Não quero me estender sobre ela, pois em todo lugar ela já recebe os holofotes que lhe convém, mas para se identificar uma depressão uma série de critérios precisam ser atendidos.

    Em psicologia e em psiquiatria estudamos um checklist para diagnosticar uma pessoa. A depressão é o estudo mas tenso, intenso e complicado de se fazer para fechar um diagnóstico. Porquê? Por justamente a tristeza ser parte da vida, lembra? E não uma condição patológica!! É preciso, mais do que saber identificar sinais e sintomas, ter uma escuta muito fina e apurada para aquilo que o sujeito nos traz (não para aquilo que eu acho à partir do meu campo de saber), para o seu processo de vida, para o seu sofrimento e para os impactos que tudo isso tem em sua mente e em seu corpo. A tristeza é uma efeito e a depressão também, elas não são causas. Elas são respostas à um fenômeno, a uma angústia desmedida. Se o sujeito responde com uma tristeza ou depressão, o que é que há, então? Removê-la ou compreendê-la e manejá-la?

    Esse texto tem mais questões que respostas, mas é de propósito. Veja só. Diagnósticar uma depressão leva tempo, muito tempo. E nós vivemos em uma época em que tudo o que as pessoas não querem investir, perder ou apostar é tempo. Então, eu não posso esperar para comprar o celular tal, eu preciso me endividar e comprar agora. Eu não posso investir em exercício, comida simples, bom sono, eu preciso consumir uma plástica. Eu não suporto revirar a minha vida e alcançar as razões de eu responder assim hoje, eu preciso me medicar. E isso está para além de classe social ou outros marcadores. A saúde mental virou um negócio, um produto. O que nos leva a linkar o aumento dos casos de depressão, ansiedade e estresse com ao aumento do número de diagnósticos. Sim! Os diagnósticos são estatísticos e mercadológicos. Quanto mais diagnósticos eu tenho, mais tratativas eu ofereço, mais remédios eu vendo, mais industrializado fica o processo, mais tempo eu economizo.

    Será mesmo que estão tratando sujeitos desejantes ou números estatísticos? Esse é um cuidado que deveria partir dos profissionais, a ética de escutar e de cuidar do discurso e das vulnerabilidades apresentadas por aqueles que os procuram. O paciente quer tratamento e isso deve ser respeitado ao invés de comercializado. Enfim.

    Me lembro, agora, de um dado contado por um colega do Rio de Janeiro que nas favelas, os lugares considerados caóticos pelos ignorantes, as pessoas tem se saído "melhor" (apesar de todos os pesares) para lidar com os fatores impostos pela crise na saúde pública, justamente por compartilharem tudo em comunidade enquanto esperam essa grande coisa passar. Os laços! Os laços salvam, minha gente. E hoje as pessoas priorizam mais o interesse e o negócio, não o afeto, a solidariedade, a compaixão. Você não contribui com o que você é, mas com o que você mostra e tem. "E como é que faz quando eu não posso barganhar com o que eu tenho? Eu me vejo obrigada a ser. Mas eu não investi nesse ser. Então, o que eu faço?" Uma tristeza que é tratada, muitas vezes, como uma depressão, um pânico, e por aí vai. Lembrando que cada caso é um caso e que minha intenção aqui é nadar contra a maré da generalização. Mas a experiência de consultório é impressionante no que diz respeito a isso. E esse é só um exemplo das situações-resposta.

    Enfim, falar desse "prêmio" por ser campeão em diagnóstico aponta para um outro lugar. Nós realmente deveríamos olhar para os processos básicos de vida, pois é de lá que são desenhados os pilares estruturantes de agora. É lá que se deve operar, intevir. Para cada sujeito na sua necessidade e desejo.

    Outro fenômeno que contribui para esse auto índice é a recorrente ditadura da felicidade, do bem estar, da profissão x para alcançar um padrão de vida desenhado num outro lugar, da viagem que antes era passeio e agora é glamour. Esse é um fator ligado ao absurdo índice de suicídios dos últimos dias, em adolescentes e jovens adultos, inclusive. Mas essa discussão fica para outra hora!

    "Uma farmácia em cada esquina não é capaz de curar uma sociedade doente." (Autor desconhecido).

    Sugestão: assistam ao filme "Divertidamente".

    *Psicanalista, psicóloga e orientadora profissional. psi.kamilasouza@gmail.com.

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