CAMPO GRANDE (MS),

  • LEIA TAMBÉM

    29/03/2020

    Bolsonaro desafia isolamento e faz tour por Brasília: 'Defendo que todo mundo trabalhe'

    Em reunião tensa ontem, o ministro pediu ao presidente para não menosprezar a gravidade da pandemia de coronavírus em suas manifestações públicas 

    Após passagem pelo Hospital das Forças Armadas (HFA), comboio presidencial seguiu para a Ceilândia. Foto: Marcos Pereira/ Estadão
    Um dia após o seu ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, pedir, em reunião tensa, que o presidente não menosprezasse a gravidade da pandemia do novo coronavírus em suas manifestações públicas, Jair Bolsonaro foi às ruas na manhã deste domingo, 29. Bolsonaro visitou vários comércios locais ainda abertos em Brasília e cumprimentou populares. Houve aglomerações para tirar selfies com o presidente. "O que eu tenho conversado com o povo, eles querem trabalhar. É o que eu tenho falado desde o começo. Vamos tomar cuidado, a partir dos 65 fica em casa...", disse Bolsonaro, que completou 65 anos no último dia 21.

    Na reunião de ontem, como revelou a colunista do Estado Eliane Cantanhêde, Mandetta alertou o presidente e os demais ministros: “Estamos preparados para o pior cenário, com caminhões do Exército transportando corpos pelas ruas? Com transmissão ao vivo pela internet?” Em outro momento, Mandetta deixou claro que, se o presidente insistisse em ir às ruas, seria obrigado a criticá-lo. E Bolsonaro rebateu que, nesse caso, iria demiti-lo. Mais tarde, em entrevista coletiva, o ministro da Saúde foi incisivo e condenou atos pela abertura do comércio e disse que "os mesmos que fazem carreata vão ficar em casa daqui a duas semanas".

    Bolsonaro deixou o Palácio da Alvorada pelo acesso à residência oficial da vice-presidência, o Palácio do Jaburu, evitando assim o contato com a imprensa. São poucos os estabelecimentos abertos neste domingo, porque a cidade cumpre decreto do governador, Ibaneis Rocha (MDB), que determina o fechamento de lojas e shoppings para evitar a circulação das pessoas e tentar controlar a propagação da covid-19. Apenas os serviços considerados essenciais podem funcionar.
    O presidente Jair Bolsonaro visitou comércios e falou com populares na manhã deste domingo, 29, em Brasília. Foto: Marcos Pereira/Estadão
    O presidente saiu por volta de 9h30 (Brasília) e seguiu para um posto de gasolina. Bolsonaro desceu do carro para cumprimentar e tirar fotos com frentistas que estavam trabalhando. Também conversou com populares. Em seguida, visitou farmácia, padaria e uma mercearia no Sudoeste, bairro residencial que fica cerca de 10 km do Congresso Nacional.

    O presidente foi ainda ao Hospital das Forças Armadas (HFA), onde esteve por cerca de 20 minutos, cumprimentou populares e profissionais que lá estavam. Segundo apuração do Estado, Bolsonaro foi conversar com médicos e enfermeiras e ver como estava o funcionamento do hospital.

    Em seguida, o comboio presidencial seguiu em direção a Ceilândia, uma região administrativa de Brasília, que fica a cerca de 36 quilômetros do Palácio da Alvorada. Ceilândia é a cidade onde moram familiares da primeira-dama, Michelle Bolsonaro.
    Presidente conversou com populares e bateu fotos durante passagem pela Ceilândia. Foto: Marcos Pereira/ Estadão
    O presidente passeou de carro pela região onde funciona uma feira, que está fechada em razão da determinação do governador. A chegada do presidente parou o local, reunindo várias pessoas que se aproximaram para tirar fotos. Ele parou para conversar com populares e com um vendedor de churrasquinho, que reclamou da paralisação do comércio, concordando com o discurso que vem sendo repetido pelo presidente nos últimos dias de que não é possível ficar parado.

    O momento foi gravado e compartilhado pelo próprio presidente pelas redes sociais. "A morte está aí, mas seja o que Deus quiser. Só não pode ficar é parado, porque se não morrer da doença, vai morrer de fome. Eu prefiro morrer de nenhum jeito, né?", disse o vendedor, antes de ser replicado por Bolsonaro: "Não vai morrer não".
    Em meio a apoiadores, Bolsonaro afirmou que o Brasil não pode parar por causa da pandemia e que é necessário que o governo trabalhe em duas frentes: saúde e economia. Ele disse que não tem como negar que há um problema em relação a propagação da covid-19, mas que o desemprego também pode ser uma doença. “O povo tem que trabalhar ou a fome vem aí. O desemprego é terrível. O Brasil não pode parar. O povo tem dito para mim, se é que devemos seguir o povo e eu acho que sim, todo mundo está pedindo para trabalhar”, disse em um açougue em Taguatinga, a cerca de 30 quilômetros do Palácio da Alvorada.

    Bolsonaro defendeu que sejam tomadas medidas de precaução contra a doença, mas principalmente para idosos e pessoas do grupo de risco. O presidente afirmou que estes casos, em que "a gripe" pode ser mais grave, serão tratados com hidroxicloroquina. O medicamento, que vem sendo usado em hospitais brasileiros, ainda não tem sua eficácia comprovada.

    Apesar de falar em medidas de precaução, Bolsonaro não seguiu todas as recomendações do Ministério da Saúde. O presidente sorriu e brincou todas as vezes que populares chegavam para cumprimentar com apertos de mãos, dizia que “não podia”. Mas ficou em meio a aglomerações para tirar fotos e selfies com apoiadores.

    Em outro vídeo também compartilhado na conta oficial do presidente, uma mulher pede ao presidente que ele libere as igrejas para funcionar normalmente. Bolsonaro responde que já autorizou, que a Justiça barrou a medida, mas que irá recorrer.

    No dia 15 de março, Bolsonaro já havia sido alvo de críticas por participar de um ato a favor de seu governo. Na ocasião, conforme levantamento do Estado por meio de vídeos, ele teve contato com ao menos 272 pessoas.

    Isolamento é recomendação do Ministério da Saúde e da OMS

    O distanciamento social e o isolamento são medidas recomendadas atualmente pelo Ministério da Saúde e pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Nesta semana, o diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, reforçou a tese de que o isolamento social é uma ferramenta de combate ao coronavírus. A afirmação foi feita durante a cúpula extraordinária e virtual do G20, grupo dos países mais ricos do mundo.

    "A melhor e única maneira de proteger a vida, os meios de subsistência e as economias é parar o vírus. Sem desculpas, sem arrependimentos. Obrigado pelos sacrifícios que seus governos e pessoas já fizeram", afirmou Tedros aos líderes mundiais. "Essas medidas tiram um pouco do calor da epidemia, mas não a extinguirá. É preciso fazer mais."

    No sábado, 28, o ministro Mandetta afirmou que é possível criar um plano mínimo que compatibilize Saúde e Economia sem deixar de lado o distanciamento social. Ele disse que não há parâmetro no Brasil para a realização da quarentena porque a última vez que isso ocorreu foi durante a gripe espanhola, em 1917, e que será preciso tomar medidas alinhadas em todo o País.

    Ao defender as novas orientações feitas pela sua pasta aos gestores do Sistema Único de Saúde (SUS), Mandetta disse que o fechamento de escolas é necessário, por exemplo, para evitar que crianças assintomáticas contaminem idosos. O documento encaminhado aos Estados e municípios endurece as medidas de isolamento em abril, maio e junho.
    Parlamentares e lideranças recriminam Bolsonaro

    O deputado federal Marcelo Ramos (PL-AM) chamou a atitude do presidente de "irresponsabilidade" e "péssimo exemplo, além de "clara provocação" ao ministro Luiz Henrique Mandetta. "O “rolezinho” do presidente além de uma irresponsabilidade é um péssimo exemplo é uma clara provocação ao ministro Mandetta que tem sido uma voz de lucidez no governo no combate ao coronavírus. Lamentável", escreveu.

    Já o deputado Paulo Pimenta (PT-RS), chamou Bolsonaro de "Capitão Corona" e disse que o presidente afrontava todos os procedimentos orientados pelos organismos de saúde. Outro representante da bancada do PT que se manifestou foi o deputado federal José Guimarães, que afirmou que o ato de Bolsonaro configura "crime de responsabilidade ao ameaçar a saúde pública".

    Por: Marlla Sabino, O Estado de S.Paulo


    Imprimir