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    09/09/2019

    ARTIGO| O Caixa 2 e o pacote anticrime de Sérgio Moro

    Autor: Leandro Soares*
    A expressão “Caixa 2”, ao contrário de seu real significado, é conhecida da população por aparecer habitualmente nos noticiários políticos, principalmente em época de eleições e é, automaticamente, associada pelas pessoas a práticas ruins, apesar de que, reitera-se, a maioria delas não saiba de que, efetiva e juridicamente, se trate. 

    O “Caixa 2”, importante pontuar como marco inicial de seu esclarecimento, não se refere exclusivamente ao âmbito eleitoral, pois, na realidade, essa expressão se refere a quaisquer condutas financeiramente ilegais que se materializam através da omissão nos registros de entradas ou saídas de valores pecuniários de um determinado caixa. Em outras palavras, é a criação de um caixa paralelo, oculto, secreto, o qual, geralmente, é vinculado ao financiamento de atividades ilegais ou à ocultação de valores para que sobre eles não incidam tributos. É, literalmente, um segundo caixa, o qual, diferentemente do “Caixa 1”, não é oficial. 

    O Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luiz Fux, definiu “Caixa 2” de maneira sintética, técnica e clara na fundamentação de seu voto na Ação Penal nº 470, que tratava sobre o escândalo de corrupção que ficou conhecido como “Mensalão”, veja-se: 

    O jargão político consagrou a expressão “caixa dois” para referir-se à prática de manutenção ou movimentação de recursos financeiros não escriturados ou falsamente escriturados na contabilidade de pessoas jurídicas as mais diversas, como associações, fundações, sociedade comerciais e partidos políticos (FUX, p.17). 

    No cenário eleitoral, a prática de “Caixa 2” consiste, portanto, em “doações” ocultas, não contabilizadas nem declaradas, realizadas por pessoas jurídicas ou naturais às campanhas de determinados candidatos, os quais se utilizam das referidas quantias em proveito particular e/ou para o impulsionamento de sua propaganda eleitoral, aumentando suas chances de eleição. 

    Obviamente, os “doadores” – e aqui resta claro o cerne do problema do “Caixa 2” e também o motivo da utilização das aspas em qualquer derivado do vocábulo doação neste artigo – enviam recursos às campanhas políticas esperando uma contraprestação dos políticos beneficiados caso eleitos, ou seja, uma troca de favores, a qual se concretiza com a utilização do aparelho estatal para beneficiar as pessoas e empresas “doadoras”, através da edição de leis, decretos e políticas de governo favoráveis a esses grupos ou indivíduos, bem como destinação de verbas e outros recursos às mesmas. 

    O aprofundamento do raciocínio exposto no parágrafo anterior, permite a conclusão de que a prática de “Caixa 2” não só macula o processo eleitoral, através da criação, motivada pela diferença financeira, de desiquilíbrio entre os candidatos, mas também vicia a própria democracia, um pilar da República, afinal o candidato eleito para representar seus eleitores, em verdade, atuará, de maneira oculta e sorrateira, para recompensar seus “doadores”, em detrimento da sociedade e daqueles que a ele confiaram seus votos. 

    O Projeto de Lei n° 1865/2019, cujo “[...] foco é, especificamente, o combate à corrupção e a efetividade do sistema de combate aos financiamentos paralelos à contabilidade exigida pela lei eleitoral” (BRASIL, 2019, p. 3), é uma das 3 legislações integrantes do Pacote anticrime e trata exclusivamente sobre Caixa 2. Caso entre em vigor, acrescentará o art. 350-A ao Código Eleitoral (Lei nº 4.737/1965), o qual criminaliza expressamente tal conduta, já que, até então, a mesma não era um tipo penal específico na legislação eleitoral. 

    Importante esclarecimento a ser feito nesse ponto é o de que o Caixa 2 não é tipificado na legislação eleitoral, já que o agente dessa conduta é enquadrado no art. 350 do Código Eleitoral, que trata sobre falsidade ideológica, e não em um “crime de Caixa 2 eleitoral” propriamente dito. 

    Interessante pontuar, apesar do exposto no parágrafo anterior, que essa mesma conduta é tipificada em outras áreas externas ao Direito Eleitoral, como, por exemplo, no art. 11 da Lei de Crimes do Colarinho Branco (Lei nº 7.492/86), que trata sobre crimes contra a ordem financeira nacional, sendo, neste caso, crime próprio, já que exige que a conduta seja praticada por uma das pessoas elencadas no art. 25 dessa mesma lei. No cenário criminal tributário, prosseguindo a exemplificação, o “Caixa 2” está previsto no art. 1º da Lei nº 8.137/90, que trata sobre crimes contra a ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo. 

    Melhor explicando, o que o Projeto de Lei n° 1865/2019 do Pacote Anticrime pretende, através do acréscimo do art. 350-A ao Código Eleitoral, é positivar no ordenamento jurídico brasileiro o crime de “Caixa 2 Eleitoral” propriamente dito, o qual ainda não existe. 

    O mencionado art. 350-A, define, em seu caput, como crime de Caixa 2 Eleitoral “Arrecadar, receber, manter, movimentar ou utilizar recurso, valor, bens ou serviços monetizáveis, não escriturados ou falsamente escriturados na contabilidade exigida pela legislação eleitoral” (BRASIL, 2019) e estabelece pena de 2 a 5 anos de reclusão, se o fato não constituir crime mais grave, ou seja, se dirige, na verdade, a condutas de menor gravidade, afinal se, por exemplo, houver uma contrapartida ao Caixa 2, o crime já seria o de Corrupção, mais grave evidentemente. 

    O §1º do art. 350-A preceitua que aquele que doa, contribui ou fornece recursos paralelos à contabilidade oficial incorre na mesma pena de 2 a 5 anos de reclusão, assim como determina será penalizado dessa mesma forma, conforme o §2º, candidatos, membros de partidos políticos ou coligações que participem de tais atividades. Ademais, se um agente público concorrer, de qualquer maneira, para uma das condutas previstas sua pena será acrescida de um a dois terços, completa o §3º. 

    O texto inicial do Projeto de Lei n° 1865/2019 não está intacto, pois já foi emendado pelos parlamentares, sendo a mais relevante das Emendas a de número 4, que aumentou a pena para os casos em que o dinheiro que constitui o Caixa 2 seja proveniente de crime, ipsis litteris “§ 4º Aumenta-se a pena de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços), se os recursos, valores, bens ou serviços a que se refere o caput são provenientes de crime” (ibidem). 

    Por fim e em síntese, pode-se concluir que as propostas de mudanças relacionadas ao Caixa 2 e integrantes do Pacote Anticrime são, na verdade, uma tentativa de tipificar especificamente o Caixa 2 eleitoral, para que os agentes praticantes do mencionado crime possam ser enquadrados especificamente no mesmo – e não em outros semelhantes ou análogos - e, com isso, sofram as consequências compatíveis com tais práticas, para que não atuem viciando a democracia através da deturpação do processo eleitoral. 

    REFERÊNCIAS 

    BRASIL. Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990. Define crimes contra a ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo, e dá outras providências. Disponível em:. Acesso em: 05 ago. 2019. 

    BRASIL. Senado Federal. Parecer (SF) nº 89, de 2019. Da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, sobre o Projeto de Lei n° 1865, de 2019, da Senadora Eliziane Gama, que Altera a Lei nº 4.737, de 15 de julho de 1965 - Código Eleitoral, para criminalizar o uso de caixa dois em eleições. Disponível em: . Acesso em: 02 set. 2019. 

    BRASIL. Senado Federal. Projeto De Lei n° 1865, de 2019. Senado Federal. Disponível em:. Acesso em: 09 ago. 2019. 

    FUX, Luiz. Ação penal nº 470. Voto ministro Luiz Fux. Item VI – Primeira Parte. Disponível em: . Acesso em: 04ago. 2019.

    *Advogado



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