CAMPO GRANDE (MS),

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    16/05/2018

    No Senado, técnico acusado de abuso na ginástica diz ser vítima de "vingança"

    Denunciado por ginastas e ex-ginastas, Fernando de Carvalho Lopes depõe em CPI e terá sigilos fiscal e telefônica quebrado por senadores em investigação

    Senador Magno Malta em audiência com Fernando de Carvalho Lopes (Foto: Maurício Oliveira)
    Acusado de abusar de 40 crianças atletas e ex-atletas entre 1999 e 2016, o ex-técnico da seleção brasileira de ginástica Fernando de Carvalho de Lopes afirmou que é vítima de vingança por ter sido um treinador sempre muito rígido. Em oitiva na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) dos Maus-tratos contra crianças no Senado, em Brasília, ele negou diversas insinuações e soube que é alvo de uma investigação por desvio de verba pública.

    - Nos lugares em que trabalhei, sempre teve procura de muita gente, o problema é que sempre fui muito rígido, criei muitos inimigos, cortei bolsas e salários de atletas, demiti auxiliares técnicos, sei que desagradei muito mais do que agradei nos 20 anos em que trabalhei na ginástica - disse Lopes, durante a CPI.

    Ele chegou a afirmar à bancada que acredita ter sido alvo de um complô feito por outro treinador da seleção -não citou nomes- antes dos Jogos Olímpicos do Rio. Lopes foi afastado da equipe nacional às vésperas da competição depois que veio à tona um processo movido contra ele, e que corre em segredo de Justiça, pelo pai de um ginasta menor de 18 anos.

    - Alguém precisava cair, precisava estar fora. A vida de treinador sempre foi complicada, sempre a busca pelo melhor cargo, então havia algumas desavenças. Eu derrubei muito técnico, em busca do melhor status e do melhor grupo acabava se indispondo com alguns outros técnicos - continuou.

    Perguntado se algum treinador armou por sua queda, Lopes disse que ele e sua defesa estão "estudando" o que fazer. Instado a pronunciar o nome de quem o queria derrubar, emendou que "não pode blasfemar em público".

    Lopes foi questionado pelo presidente da CPI, Magno Malta (PR-ES), sobre os depoimentos das pelo menos 14 vítimas no processo que corre sob sigilo de Justiça, no Ministério Público Estadual e na Delegacia da Mulher, da Criança e do Adolescente de São Bernardo do Campo.

    - No volume que é colocado sobre, da forma como é feita, eu não vejo outra coisa a não ser vingança. Eu tenho 20 anos no clube, então como não teve nenhuma reclamação em meu nome? Eu trabalhei com centenas de atletas. Eu fui um dos funcionários mais antigos do clube. Nunca existiu uma queixa sobre mim - afirmou o ex-treinador da seleção brasileira.

    Para cada uma das vítimas, Magno Malta mostrava o nome e o depoimento para Lopes. Ele negava cada uma das acusações. Mais à frente, após ser interpelado também pelo relator da CPI, José Medeiros (PODE-MT), ele citou que as vítimas têm sido induzidas a denunciá-lo.

    - Hoje é muito fácil as pessoas se comunicarem e acredito sim que algumas podem se condicionar, serem induzidas. Muitos deles que me acusam voltaram depois de algum tempo e pediram pra treinar comigo de novo. Não só eu falo isso, o próprio Marcos Goto falou isso. Então, acredito em indução e vingança, sim - acrescentou Lopes.

    Malta pediu e recebeu autorização do técnico para quebra de sigilos telemático, fiscal e telefônico nos últimos cinco anos. Lopes ainda chegou a consultar seu advogado, Luiz Ricardo Davanzo, e depois consentiu com a quebra. O senador afirmou que pretende verificar e-mails dele e, em seguida, reiterou que ele será reconvocado em breve para nova oitiva. Duas das vítimas denunciantes maiores de idade também serão convocadas, segundo o parlamentar.

    Lopes negou que tomasse banho com ex-atletas de seu comando como foi denunciado ao Fantástico, da TV Globo. Também disse ser inverdade que os observava nus ou os gravava.

    - O clube [Mesc, de São Bernardo do Campo] tem vestiários masculino e feminino, algumas vezes sim entrei no vestiário masculino pra tomar banho. Tinha acesso ao banheiro e tomava meu banho. No ginásio, sempre local público, onde transitavam pessoas o tempo inteiro, havia os pais na arquibancada, nunca sozinho com o atleta - disse.

    O ex-treinador da seleção, porém, afirmou que tomava parte em brincadeiras sobre os atletas.

    - Sempre numa roda de brincadeira, dos atletas mais velhos para os mais novos. Eu participei dessa roda de brincadeiras sim, mas nunca sozinho com atletas. Diziam “Ah, está crescendo”, só isso.

    Indagado sobre como reagiria se soubesse que algum de seus dois filhos -ele tem um menino e uma menina- fora vítima de abuso sexual, comentou:

    - Se acontecesse com um filho meu, buscaria a Justiça.

    Ao final da sessão, Malta disse que vai chamar para depor Ivonete Fagundes, que era supervisora de Lopes no clube em que ele trabalhava em São Bernardo do Campo.

    - Os relatos são provas testemunhais contundentes. Ninguém se reúne em 40 pessoas para relatar casos como esses, se expondo de uma forma tão clara para o mundo todo ver se não tiver a verdade para relatar. A gente esperava que ele (Fernando) contribuísse com a CPI, mas sabíamos que ia negar. Vamos pedir a quebra de sigilo e espero que isso seja feito rapidamente - comentou Malta, que também fez referência ao medalhista olímpico Diego Hypolito, que revelou ter sido vítima de humilhações em sua infância.

    O técnico e seu advogado deixaram a oitiva sem falar com os jornalistas presentes.

    - Quando ele [Lopes] disse que queria falar, eu vim na expectativa que ele pudesse botar para o chão todos aqueles depoimentos, mas infelizmente não foi isso o que aconteceu. É aquela situação que a gente gostaria que não estivesse acontecendo, mas parece que está acontecendo. O que impacta é que as provas testemunhais são muitas e todas carreando muito no mesmo sentido. O que a gente esperava é que ele pudesse desmontar isso. Não foi um depoimento esclarecedor, foi mais do mesmo. Mas continuamos na investigação e vamos ouvir mais gente - disse Medeiros, relator da CPI.

    DESVIO DE VERBA PÚBLICA

    Magno Malta sugeriu que Fernando Lopes autorize a quebra de sigilo telefônico nos últimos cinco anos. O técnico consultou o seu advogado, Luis Ricardo Davanzo, e disse que não haveria problema de fazer isso depois da sessão da CPI.

    Fernando se surpreendeu quando Malta relatou que na investigação também há denúncia de desvio de verba pública, quando ele trabalhava como treinador nos clubes e não repassava integralmente a verba que deveria ser encaminhada para os atletas.

    - É um emaranhado que pode desenrolar muita coisa no esporte brasileiro - disse Medeiros.

    Fonte: G1
    Por: Maurício Oliveira, Brasília


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