Ex-ministro foi interrogado nesta quinta-feira (20), em Curitiba. Preso na 35ª fase da Lava Jato, ele é acusado de agir para beneficiar o Grupo Odebrecht.
Palocci é ouvido por Sergio Moro em ação que investiga se ele recebeu propina da Odebrecht © Arquio |
O ex-ministro Antonio Palocci disse que se coloca à disposição do juiz Sérgio Moro, responsável pela Operação Lava Jato na primeira instância, para apresentar "fatos com nomes, endereços e operações realizadas" que, de acordo com o ex-ministro, devem render mais um ano de trabalho. Assista ao depoimento de Palocci na íntegra.
Palocci foi interrogado por Moro, nesta quinta-feira (20), na ação em que é acusado de agir no governo federal em favor da Odebrecht entre 2006 e o final de 2013. A oitiva durou mais de duas horas.
Veja os principais pontos da fala de Palocci:
- Ex-ministro se colocou à disposição para revelar nomes e operações de interesse da Lava Jato.
- Negou ter operado dinheiro de caixa 2, mas confirmou que sabia da existência da prática "em todas as campanhas".
- Confirmou que falou sobre contribuição à campanha de Dilma antes das eleições de 2010.
- Negou ter pedido dinheiro a empresas quando era ministro.
- Disse que ninguém na Odebrecht nunca o chamou de "italiano".
- Confirmou ter tido conhecimento das planilhas de propina da Odebrecht, mas disse que ficou surpreso com as "provisões de campanha".
- Disse não se lembrar de reunião com Dilma, Marcelo Odebrecht e o ex-presidente do BNDES.
- Negou ter ampliado crédito no BNDES à Angola para favorecer a Odebrecht.
- Negou ter pedido, interferido ou defendido interesses da Odebrecht ou da Sete Brasil.
- Fez elogios ao juiz Sérgio Moro e à atuação dele na Lava Jato.
Segundo o ex-ministro, ele optou por não apresentar tudo o que sabe durante o interrogatório "por sensibilidade da informação".
"O dia que o senhor quiser, se o senhor tiver com a agenda muito ocupada, a pessoa que o senhor determinar, eu imediatamente, apresento todos esses fatos com nomes, endereços, operações realizadas e coisas que vão ser, certamente, do interesse da Lava Jato.”
O ex-ministro ainda elogiou a operação e chamou de "uma investigação de importância". "Acredito que posso dar um caminho, talvez, que vá lhe dar mais um ano de trabalho, mas é um trabalho que faz bem ao Brasil", disse.
Antonio Palocci foi alvo da 35ª fase da Lava Jato, deflagrada em setembro de 2016. Atualmente, ele está preso na Superintendência da Polícia Federal em Curitiba.
Palocci também é réu em outro processo que apura se a Odebrecht pagou propina por meio da compra do terreno onde seria construída a nova sede do Instituto Lula e do apartamento vizinho ao do ex-presidente em São Bernardo, no ABC Paulista. Entre os réus desta ação, estão o ex-presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o ex-presidente da Odebrecht Marcelo Odebrecht e Roberto Teixeira, um dos advogados de Lula.
Palocci foi deputado federal pelo PT, ministro da Fazenda entre 2003 e 2006, no governo Lula, e ministro da Casa Civil no governo Dilma, em 2011.
Doações eleitorais
Palocci confirmou a Moro que tratou de contribuições eleitorais para a campanha presidencial com o Grupo Odebrecht. “Acredito que a última vez que eu tratei esse assunto com o senhor Marcelo [Odebrecht, herdeiro da empresa], ou com o grupo, foi na passagem de 2009 para 2010. Onde estavam começando os preparativos da campanha da presidente Dilma. Eu estive com ele por outro motivo e ele foi ativo, assim, na questão e falou: pode dizer à presidente que nós vamos ter uma participação importante na campanha dela”, contou.
Questionado se o "maior opositor" de Dilma na campanha presidencial de 2010 também recebeu doações da Odebrecht, Palocci disse que sim. "Tenho certeza disso. Por ler no jornal, porque eu não tenho... mas o próprio adversário não nega. Em algumas ocasiões, eu vi que com o adversário do candidato do PT a contribuição era maior. Agora, recentemente, eu soube que também a empresa financiava adversários para fazer um trabalho específico, contrário ao PT."
Caixa 2
No entanto, Palocci negou de ter tratado de contribuições não contabilizadas. “Eu nunca operei contribuições, até porque não era minha função”, afirmou. Ele disse, ainda, que pedia recursos para as empresas acreditando que elas iam tratar isso da melhor maneira possível.
Ele também afirmou que não interferiu, negociou ou administrou qualquer pagamento a fornecedores de campanhas eleitorais de 2010 no exterior. “ [A negativa] se aplica a João Santana, a Mônica Moura ou qualquer fornecedor de qualquer campanha”.
Palocci voltou a dizer que não pediu pagamento de caixa 2 e citou o depoimento de Marcelo Odebrecht.
"Ele falou a verdade, eu nunca pedi caixa 2. Ele disse que eu sabia, eu ouvi falar mesmo de caixa 2, isso eu não vou negar. Em todo lado e toda campanha. Mas, que eu não pedi, eu nunca pedi. Pagamento no exterior, jamais.”
Sobre a questão do caixa 2, Palocci disse também que não se sente à vontade para negar a existência da prática. "Que nada existiu, tudo foi aprovado nos tribunais, não. Todo mundo sabe que teve caixa 2 em todas as campanhas."
Planilhas da Odebrecht
Palocci afirmou que nunca pediu dinheiro a empresas como ministro. "Jamais pedi um centavo para qualquer empresa como ministro. Em 2002, eu devo ter falado com algumas, eu não era ministro. Em 2006, eu não era ministro. Já tinha deixado o ministério".
O ex-ministro disse desconhecer a "planilha de propinas" do setor de Operações Estruturadas da Odebrecht, a qual afirmou nunca ter visto. No entanto, disse ter "tomado conhecimento" dela em uma conversa com o ex-presidente Lula, com citação de "provisão" de R$ 200 milhões de reais, além do que foi comprometido em campanha, no fim de 2010.
"O presidente [Lula] me procurou, surpreso, estranhando e disse: 'Olha, nunca tive conversa desse tipo. Não uma conversa foi direta, ela chegou a mim, e eu queria entender o que é isso, do que se trata'. Achei ele um pouco irritado com a coisa. E eu também fiquei muito surpreso com 'provisão'."
Palocci contou que procurou Marcelo Odebrecht para esclarecer do que se tratava a "provisão". "Fui ao Marcelo e falei: 'Marcelo, aconteceu isso. Eu conheço a empresa há mais de dez anos e jamais tratamos a relação do governo com a empresa a partir de provisões (...) Eu falei: "Ficou muito ruim para mim essa situação, porque, primeiro foi falado que tinha uma provisão, segundo foi falado que eu conhecia. Aí eu disse ao Marcelo que eu gostaria que se re-estabelecesse uma postura diferente em relação a isso. Fui ao presidente Lula, e disse a ele que foi um mal-entendido".
Dois meses depois, afirmou Palocci, um banqueiro lhe procurou, novamente para falar sobre "provisões" da Odebrecht.
"(...) um banqueiro me procurou e disse: 'Olha, eu estou aqui, mandado por uma pessoa do governo e eu quero dizer que eu vou cuidar das coisas, do financiamento de campanha, as reservas, as provisões. Então queria saber se você pode me ajudar. Eu perguntei: 'a presidente Dilma sabe que você tá aqui?' Ele falou 'não, mas estou aqui em nome de uma autoridade do primeiro escalão do governo'. Essa pessoa disse que ia cuidar desses recursos. Até aí, era muito estranho, mas eu falei: 'Tudo bem, cuide dos recursos, se você tem essa autorização. Eu não sei como funciona isso'. Ele estranhou, achou que eu daria a ele um monte de dados e situações. Eu falei: 'não tenho nada para lhe informar'. Aí ele entrou no assunto 'provisões da Odebrecht'."
Relacionamento com a Odebrecht
Durante o interrogatório, Palocci falou ainda sobre o relacionamento com a Odebrecht. “Meu relacionamento com a empresa é antigo, desde o fim da década de 90, principalmente com Emílio Odebrecht [dono do grupo] e Pedro Novis [presidente da empreiteira entre 2002 e 2009]”, relatou. Emilio e Novis assinaram acordo de delação premiada. Os depoimentos deles estão entre os que embasaram a "lista de Fachin" – os novos inquéritos abertos no Supremo Tribunal Federal (STF).
O ex-ministro disse também que costumava conversar com eles. “Eram conversas sobre o Brasil. Eles tinham interesse em conhecer o PT, a relação que o PT poderia ter com o governo. Queriam conhecer experiências concretas do PT”, afirmou.
Para Palocci, quando Marcelo Odebrecht assumiu o grupo, houve uma grande mudança de estilo, na gestão da empresa, especialmente com relação ao detalhamento de suas agendas, à flexibilidade ou não das posições. “Mudou bastante. Marcelo era um guerrilheiro das causas da empresa. Era muito ativo em relação às metas”, afirmou.
O ex-ministro também disse que na época que era deputado federal tinha contato frequente com Marcelo Odebrecht. “As empresas estão presentes o dia inteiro nos salões do Congresso”. Segundo ele, o cargo exige essa disponibilidade para diálogos com diferentes setores da sociedade.
Ele afirmou que não se lembra de ter tido nenhuma reunião com Marcelo Odebrecht enquanto foi ministro da Fazenda. Segundo ele, no período em que ocupou o cargo de ministro chefe da Casa Civil, provavelmente, houve encontros. “Não frequente porque a minha atividade não permitia, era uma atividade muito intensa, mas, provavelmente, sim”.
Palocci negou ter solicitado, interferido ou defendido interesses da Odebrecht ou da Sete Brasil na questão das sondas. “Absolutamente não”, garantiu.
Reunião na Presidência
Moro questionou Palocci sobre uma reunião na Presidência da República, em maio de 2011, na qual, estariam a então presidente Dilma Rousseff, Marcelo Odebrecht, Luciano Coutinho, ex-presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), e “Itália”, que seria o ex-ministro, segundo a acusação.
Palocci respondeu que não se lembra dessa reunião e que, inclusive, procurou informações sobre a reunião na agenda. “Não me lembro de reuniões com o Marcelo e a presidente juntos”, explicou.
Em seguida, Palocci mencionou uma troca de-mails entre Marcelo Odebrecht e Alexandrino de Alencar, ex-executivo da empreiteira. Marcelo pergunta se Alexandrino falou com Palocci, ao que o ex-executivo responde: “Sim, falei com Palocci e ele disse que GM (que acho que é Guido Mantega) e Itália estiveram ontem com o presidente”, disse Palocci, reproduzindo conteúdo do processo.
Palocci voltou a alegar que não lembra da reunião e que não sabe quem é “Itália”.
“Italiano lá naquele Congresso, como no Brasil inteiro, tem milhares. Então não sei de quem se trata aqui, não me lembro dessa reunião”, afirmou.
Palocci ainda explicou que ninguém da Odebrecht nunca o chamou de “Italiano”. “Italiano pode ser eu como 40 milhões de brasileiros”, afirmou.
BNDES
O ex-ministro Antonio Palocci negou que tivesse negociado no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) ampliação de linhas de crédito para a Angola que favorecesse a Odebrecht.
“(...) Eu sempre disse isso, não só para ele [Marcelo Odebrecht], mas para todas as empresas, que eu jamais iria discutir com o BNDES qualquer crédito. Não era meu papel, nem como deputado, nem como ministro discutir crédito do BNDES”.
De acordo com Palocci, Marcelo Odebrecht provavelmente tocou nesse assunto como ele. Entretanto, o ex-ministro negou que tivesse negociado em prol da empresa. A negativa veio após Moro mencionar que Marcelo Odebrecht disse, salvo engano de interpretação do juiz, que havia negociado com Palocci a ampliação de crédito.
Palocci afirmou que discutiu créditos com o BNDES em casos de empresas de grande porte que iriam entrar em falência. “(...) cuja falência poderia significar uma fila de falências de muita repercussão”, afirmou Palocci.
O ex-assessor de Palocci, Branislav Kontic, também foi interrogado e falou por cerca de 30 minutos nesta quinta-feira. Kontic foi preso no mesmo dia que Palocci, mas deixou a cadeia em 15 de dezembro de 2016, depois de uma decisão da 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), que trocou a prisão preventiva por medidas cautelares alternativas.
Além dos dois, que são acusados de corrupção passiva e lavagem de dinheiro, ainda são réus neste processo ex-tesoureiro do Partido dos Trabalhadores (PT) João Vaccari Neto, o ex-diretor de Serviços da Petrobras Renato Duque e o ex-presidente da Odebrecht S.A. Marcelo Odebrecht.
O advogado que representa Palocci, José Roberto Batochio, não quis comentar o depoimento.
Elogios
Ao fim do depoimento, o juiz Sérgio Moro deu alguns minutos para que Antonio Palocci pudesse falar. O ex-ministro falou por aproximadamente 15 minutos e começou sua declaração elogiando o juiz federal e a atuação dele na Lava Jato.
“Eu sei que você é um juiz extremamente rígido, mas é um juiz justo e eu queria muito ter meu julgamento com bases na lei e com base em critérios absolutamente justos e eu sei que o senhor faz isso com maestria, o senhor tem dado uma contribuição ao país na medida em que acelera processos, decide com celeridade e acho que isso é digno de nota”, disse Palocci.
Depoimento do Branislav Kontic
Branislav Kontic falou por aproximadamente 15 minutos e explicou sua atuação como assessor de Palocci e, depois, como funcionário na empresa do ex-ministro que prestava consultoria financeira.
O réu disse desconhecer o recebimento de contribuições financeiras da Odebrecht por Palocci.
Kontic também foi questionado sobre sua relação com Fernando Migliaccio, ex-executivo da Odebrecht. Ele disse que conheceu Migliaccio na vizinhança do bairro onde mora. O ex-assessor negou ter tratado com Migliaccio de pagamentos de fornecedores de campanha, assim como o envio de dinheiro pela Odebrecht por solicitação de Palocci.
Suspeitas
O processo apura se Palocci recebeu propina para atuar em favor do Grupo Odebrecht, entre 2006 e o final de 2013, interferindo em decisões tomadas pelo governo federal.
A denúncia trata de pagamentos feitos para beneficiar a empresa SeteBrasil, que fechou contratos com a Petrobras para a construção de 21 sondas de perfuração no pré-sal. O caso foi delatado pelo ex-gerente de Serviços da Petrobras, Pedro Barusco.
As investigações mostram que o valor pago pela Odebrecht a título de propina pela intermediação do negócio chegou a R$ 252.586.466,55. Esse valor foi dividido entre as pessoas que aparecem na denúncia. Em troca disso, a empresa firmou contratos que, somados, chegaram a R$ 28 bilhões.
Por G1 PR, Curitiba