CAMPO GRANDE (MS),

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    22/01/2017

    PONTA PORÃ LINHA DO TEMPO| Causos e lendas do folclore da região fronteiriça de outras épocas. “Jacy Jaterê o Tesouro e o Pé de Erva-Mate”

    ”Os mitos são distorções de histórias verdadeiras” Thiago Aécio De Sousa
    Causos e lendas fazem parte do imaginário dos seres humanos de várias raças e etnias, desde que estas habitam o mundo, com suas crenças e ritos. Tais histórias regadas de muito mistério e superstições se espalham através dos tempos provocando, intrigando quem as escuta, tem aquele que até afirma que presenciou tais acontecimentos, que nos dias de hoje seria fora do comum. 

    A mente humana é cheia de segredos, ainda não muito claros e totalmente resolvidos nos meios científicos, estudiosos e Phd nos assuntos, afirmam que o cérebro humano possuí capacidades ilimitadas ainda desconhecidas na atualidade.

    Uma reportagem publicada na revista veja há alguns anos aborda o seguinte assunto: “Pesquisadores do Instituto Karolinska, na Suécia, fizeram a descoberta através da análise de uma ressonância cerebral computadorizada. Vinte e cinco pacientes com saúde perfeita foram submetidos ao teste, que mediu quantas informações eles absorviam enquanto sofriam com algumas distrações. Descobriu-se que as informações de menor relevância despertavam a atividade dos gânglios basais, que se preparava para "filtrar" essas mensagens. O funcionamento dessa área varia de pessoa para pessoa, observação dos médicos suecos permite afirmar que as pessoas não têm melhor ou pior memória, mas sim melhor ou pior capacidade de filtrar o que é irrelevante” 10.12.2007. Fonte de informações, pravda.ru.

    Pesquisas ainda serão feitas sobre os segredos da mente humana e nosso imaginário, para desta forma tentar explicar acontecimentos fora do comum cheios de mistérios, o que vale ressaltar é que graças a nossa mente, que muitos assuntos, que para uns se tornam irrelevantes, tais assuntos para muitos se tornam causos e lendas e atravessam gerações instigando de forma positiva a curiosidade dentro do imaginário humano.
    Dizem que o Jaci Yatere esconde tesouros, seu cajado pode revelar
     vários segredos, assim como a localização de algum tesouro.

    Vamos resgatar uma entre tantas lendas e causos da região fronteiriça que a muito esta esquecida atualmente, que fala sobre o Jaci Jaterê, que segundo pesquisadores, (também grafado como Jacy Jaterê em Guarani e Yasy Yateré). “É o nome de uma importante figura da Mitologia guarani. Um dos sete filhos de Tau e Kerana, as lendas de Yacy Yateré, são das mais importantes da cultura das populações que falam o idioma Guarani, na América do Sul. Tem sua origem segundo pesquisadores, presumida entre os indígenas da Região das Missões, no sul do país, de onde teria se espalhado por todo o território brasileiro”. 

    Com um nome que significa literalmente (pedaço da Lua), é único dentre os seus irmãos a não possuir uma aparência monstruosa, horrenda. É descrito como uma criança, loira de pele branca, com olhos azuis, uma criatura bela ou encantadora, e carrega um bastão ou cajado mágico feito de galho de erva mate, habitante da mata, sendo considerado ele “Jacy Jaterê” o protetor da Erva-Mate, também é visto como protetor dos tesouros escondidos nas matas.

    Jacy Jaterê, segundo pesquisadores, também é considerado o senhor da sesta, o tradicional descanso ao meio do dia, habitual na cultura latino-americana, muito utilizada também na região fronteiriça. Segunda a lenda Jacy Jaterê deixa a floresta e percorre as vilas procurando por crianças que não descansam durante a sesta. 

    Por ser ele um ser místico ele é invisível, e só se mostra a essas crianças, que quando observam seu cajado mágico ficam hipnotizadas em uma espécie de transe, algumas lendas dizem que essas crianças são levadas para um local secreto da floresta, onde brincam até o fim da sesta, quando recebem um beijo mágico, que as devolve a suas camas, sem memória da experiência ocorrida, outra lenda diz que as crianças são levadas por ele e ficam dias na mata brincando e sendo alimentadas, umas nunca mais são encontradas.

    Este é um causo muito antigo, reporta a meados do fim do século XIX (dezenove), do pós-guerra do Tríplice Aliança, que fala sobre “Jacy Jaterê”, de uma fronteira, de poucas casas e muitas estâncias, um período histórico onde a vida era simples de rotina árdua nestes tempos, de poucos recursos, tudo era feito no trabalho braçal, pelos trabalhadores rurais destes tempos, nada era fácil, a conquista do sonho de uma vida melhor era feito com suor, sangue e lágrimas, por estes pioneiros que desbravaram a região de fronteira, ninguém escapava das tarefas diárias, crianças, mulheres, homens e idosos, cada um tinha seu papel de importância na rotina do campo.

    Os trabalhos iniciavam antes do clarear do dia, todos já sabiam seus afazeres, e como de costume, o filho do estancieiro era incumbido de ir até um riacho que ficava dentro da propriedade, e de lá trazer os baldes de água, o menino fazia algumas viagens para encher os reservatórios da sede da estância, passava praticamente a manhã realizando este trabalho com uma pequena carroça e um cavalo velho, ele enchia os baldes, colocava na carroça e levava para sua casa, onde a sua mãe já esperava, enquanto o restante estava no campo plantando, desmatando e outros cuidando do rebanho e demais animais, o desmatamento se fazia necessário nesses tempos para fazer novos campos de plantio.

    Os moradores mais antigos da região muitos deles ligados a algumas tribos que ainda existiam nesse período tinham suas crenças, que muitas vezes eram ignoradas pelos novos colonos que vindo de outros cantos do Brasil desconheciam tais assuntos, fora do comum.

    O filho do estancieiro sempre que voltava do riacho, contava a sua mãe que enxergava um menino, que ficava observando ele pegar água, descrevia o tal menino como sendo de pele branca, loiro de olhos claros que tinha um bastão na mão, que se escondia na mata ou ficava na beira do riacho, e que ele estava com medo de tal criatura, a mãe cética de tal história sempre repreendia o filho, dizendo que o mesmo estava inventando causo para não ir pegar a água no riacho que fica a algumas legas de distância, já seu pai homem rustico do campo de poucas palavras, ao saber retrucava o menino, às vezes com uma boa surra, para que o mesmo não inventasse história, para deixar de trabalhar.

    Imagem web divulgação -  Portal dos mitos.

    Segundo o causo o menino como toda criança, que tem certo medo misturado com muita curiosidade, começou a espiar a tal criatura em forma de criança quando ia ao riacho, de mansinho observando que direção ela seguia, com muito medo, mas também com muita curiosidade seguia vez ou outra o menino loiro que sempre parava perto de árvores vistosas bonitas de flor branca, com medo ele não seguia tão longe e voltava ao riacho para terminar de encher os baldes de água.

    Já cansado de querer convencer seus pais da existência do menino, contou aos moradores mais antigos da região que trabalhavam na estância, que logo foram alertando não incomode e nem chegue perto, pois você viu o “Jacy Jaterê” o espirito do mato, ele deve estar cuidando alguma coisa muito importante naquele lugar, o menino como sempre escutou nas rodas de conversa sobre os tesouros enterrados da guerra ficou mais curioso ainda, achando que o “Jacy Jaterê” poderia estar cuidando algum tesouro. 

    Ao clarear do dia o menino seguiu sua rotina intrigado com tal história, chegando ao riacho ficou observando se o tal “Jacy Jaterê” aparecia, como o tal espirito do mato não apareceu o menino se foi atrás, seguindo até o lugar das árvores de flor branca, observou que o menino loiro brincava com uma grande caixa brilhante e que de dentro dela tirava moedas amarelas e acinzentadas e pedras coloridas, que brilhavam ao sol.

    O filho do estancieiro ficou tão vislumbrado com que observou que rapidamente voltou para casa, e contou o ocorrido a sua mãe, que com desdém pouco crédito deu a história do filho, mas tarde o menino contou toda história a quem quisesse escutar na estância, os empregados novamente alertaram o menino, dizendo para ele não mexer com tal espirito, pois ele poderia se zangar e se voltar contra todos na estância, por que o local onde o “Jacy Jaterê” se escondia era um lugar sagrado de grandes pés de Erva Mate com flores brancas, essas árvores já eram nativas da mata por serem muito antigas, e que tal caixa deveria ser um achado ou enterro da guerra, um baú com muito ouro, prata e pedras preciosas, que o espírito protegia e tinha como seu, e se alguém se atrevesse a tentar pegar “Jacy Jaterê” se vingaria de todos com ajuda de seus irmãos.

    O menino com medo, mas com vontade de ter em suas mãos tal tesouro voltou ao tal local, e roubou o baú de “Jacy Jaterê”, voltando pra sua casa, sendo recebido por todos como um herói por ter achado tal tesouro, o menino com medo do que poderia acontecer pediu para seu pai derrubar tais pés de Erva Mate, desmatando todo local, desta forma afugentando o espírito de “Jacy Jaterê”.

    Os anos se passaram, o menino cresceu, casou–se e teve um lindo filho que era o herdeiro de sua rica estância, certa manhã o estancieiro fora acordado, com os gritos de choro de sua esposa, que aos lamentos pedia a volta de seu bebe, pois a criança tinha sumido do berço, e dentro do berço somente e tinha duas mudas de Erva Mate.
    Imagem na fazenda “Salamanca” de Francisco e Miguel Rodrigues. Peões no trabalho na secagem da erva mate. Década de 30 - Arquivo da Família Rodrigues (Francisco e Miguel Rodrigues in memoriam) Acervo de Carlos Morel

    Por dias procuraram a criança, mas sem sucesso, os antigos diziam fora o espirito da mata “Jacy Jaterê” que levou o filho do estancieiro para se vingar do que ele tinha feito no passado. Ficando esse mais um causo da região de fronteira.

    Muitos acreditam que o espirito de “Jacy Jaterê” ronda as matas da região fronteiriça, a quem dúvida, mas não entra nas matas evitando se deparar com este espírito. 

    Resgatar causos e lendas de uma região é buscar através destas narrativas, manter viva a memória histórica, cultural dos pioneiros de outros tempos na região de fronteira.


    Pesquisador: Yhulds Giovani Bueno. Professor de qualificação profissional, gestão e logística (Programas Estaduais e Federais). Professor da Rede Municipal de Educação e Faculdades Anhanguera Polo Ponta Porã - MS.


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