CAMPO GRANDE (MS),

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    08/01/2017

    ARTIGO| Reforma trabalhista. Representação do trabalhador na empresa


    1. Introdução

    A proposta de Reforma Trabalhista enviada ao Congresso Nacional pelo Governo Temer no final do ano passado pretende que os conflitos laborais sejam solucionados, preferencialmente, entre os próprios atores do processo produtivo e, para tanto, cria a figura da representação do trabalhador no local de trabalho, inspirada no modelo laboral europeu que, além das entidades de representação sindical, contempla a representação do trabalhador na empresa como forma de facilitar o diálogo direto entre empregados e empregador, sem a necessidade de intermediação do sindicato que, todavia, continua a representar toda a categoria.

    Esse tipo de representação encontra-se prevista na Proposta de Reforma Sindical enviada ao Congresso no primeiro mandato do ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mas que, infelizmente, até o momento não foi aprovada.

    Pretende-se, assim, criar uma nova forma de representação visando dá voz aos trabalhadores no âmbito das empresas com a instituição de um “sistema de duplo canal de representação”, o que, aliás, não é novidade no âmbito europeu no qual se inspirou a Proposta.

    Isso é expressamente reconhecido na exposição de motivos que acompanha a Proposta nos seguintes termos: 

    A experiência européia demonstra a importância da representação laboral na empresa. Países como Alemanha, Espanha, Suécia, França, Portugal e Reino Unido possuem há vários anos as chamadas comissões de empresa ou de fábrica. A maturidade das relações de trabalho em alguns países europeus propicia um ambiente colaborativo entre trabalhador e empresa, resultando na melhoria do nível de produtividade da empresa.

    De fato, esse modelo de canal de representação encontra-se previsto nos arts. 62 e seguintes do “Estatuto de los trabajadores” espanhóis.

    Prever o art. 62 do Estatuto que “sin perjuicio de otras formas de participación, los trabajadores tienen derecho a participar en la empresa a través de los órganos de representación regulados en este Título”.

    Garante-se, assim, a denominada representação unitária dos trabalhadores por meio dos delegados de pessoal e pelos representantes dos trabalhadores nos comitês de empresa.

    Em Portugal essa modalidade de representação foi garantida pela Constituição de 1976 e no Código do Trabalho, que em verdade transpôs para ordem interna a Diretiva 94/45/CE.

    No âmbito do Direito Comunitário, a Diretiva 94//45/CE, de 22.9.1994[1] estabeleceu a obrigatoriedade para as empresas de dimensão comunitária, da abertura de negociações internas para a criação de um “comitê de empresa europeu ou, em alternativa, de um processo de informação e consulta adequado”. Se as negociações não se fizessem ou não resultassem positivas, aplicar-se-ia um regime “subsidiário” que é o da constituição do comitê de empresa europeu[2].

    Desse modo, o que se pretende com a Proposta de Reforma Trabalhista é a “representação do trabalhador na empresa” que, todavia, não constitui novidade no âmbito do Direito do Trabalho europeu, vale repetir. 

    No presente e modesto artigo, sem qualquer intenção de esgotar o tema, pretende-se tecer algumas considerações a respeito dessa forma de representação dos trabalhadores, e com isso de alguma forma contribuir para um debate que certamente deve envolver trabalhadores, empresários e suas entidades de representações, além do Poder Judiciário Trabalhista, responsável pela resolução dos conflitos decorrentes da implementação do novo instituto.

    2. Fundamento do direito de participação dos trabalhadores na empresa

    Como decorrência do princípio democrático, que deve servir de inspiração e inundar todo o ordenamento jurídico e, por consequência, todas as instituições e organizações, a representação dos trabalhadores na empresa, decorrente do direito de participação inerente ao regime democrático, é uma valiosa forma de se dar voz ao trabalhador para participar das decisões empresariais que lhe digam respeito ou possam afetar aos seus legítimos interesses.

    Deveras, no campo do processo produtivo o princípio democrático é concretizado por meio do mecanismo da participação dos trabalhadores na gestão da empresa de modo que passem a ser ouvidos e participar das decisões da empresa na condição de um dos mais importantes atores desse processo.

    No âmbito internacional, a Organização Intencional do Trabalho – OIT dá eco a esse mecanismo participativo, como se pode constatar do contido nas Recomendações de n. 94 e 129, além da Convenção n. 135 prevendo:

    Artigo 1

    Os representantes dos trabalhadores na empresa devem se beneficiar de uma proteção eficaz contra todas as medidas que lhes possam causar prejuízo, incluindo o despedimento, e que sejam motivadas pela sua condição de representantes dos trabalhadores ou pelas actividades dela decorrentes, pela sua filiação sindical ou pela sua participação em actividades sindicais, na medida em que actuem em conformidade com as leis, convenções colectivas ou outras disposições convencionais em vigor. 

    Artigo 2

    1. Na empresa devem ser estabelecidas facilidades aos representantes dos trabalhadores, de forma a permitir-lhes desempenharem rápida e eficazmente as suas funções. 

    2. Para tal, deve-se ter em conta as características do sistema de relações profissionais vigente no país, assim como as necessidades, a importância e as possibilidades da empresa. 

    3. A concessão de tais facilidades não deve dificultar o funcionamento eficaz da empresa em causa.

    Artigo 3

    Para os fins da presente convenção, os termos «representantes dos trabalhadores» designam as pessoas reconhecidas como tal pela legislação ou prática nacionais, tais como: 

    a) Representantes sindicais, isto é, representantes livremente eleitos pelos sindicatos ou pelos membros dos sindicatos; 

    b) Representantes eleitos, isto é, representantes livremente eleitos pelos trabalhadores da empresa, em conformidade com as disposições da legislação nacional ou de convenções colectivas, e cujas funções não se estendem às actividades que são reconhecidas, nos países interessados, como dependentes das prerrogativas exclusivas dos sindicatos. 

    No Brasil, o direito de participação, decorrente do modelo de Estado Democrático de Direito, encontra abrigo no art. 1º, caput e inciso V da Carta de 1988, ao consagrar o princípio democrático e o pluralismo como fundamentos da República.

    Por óbvias razões esse princípio também tem incidência no campo das relações trabalho, pois como lembra Antonio Baylos[3], a “empresa é uma organização econômica e social sobre a qual o sistema democrático se apóia e que impõe limites às possíveis opões de desenvolvimento e alternativas que existem”. Por isso, há “muito deixou de ser apenas um lugar de prestação de serviços, tornando-se o núcleo organizativo da atividade. Ao ter adquirido posição central na sociedade, na política e na economia tornou-se também centro de preocupações do Direito do Trabalho”.

    A empresa é, assim, um espaço simbólico de exercício de poderes e direitos, entre eles e especialmente, aqueles que decorrem do regime democrático, que pressupõe a participação de todos os atores do processo produtivo na tomada de decisões, nomeadamente aquelas que digam respeito àquele que presta o labor.

    De fato, enquanto organização produtiva, a empresa tem um dever social, não podendo ser vista apenas como fonte de produção econômica, mas também como um espaço simbólico de produção e exercício de poderes, de afirmação de valores da cidadania, portanto. 

    Nesse contexto, a par de constituir uma organização produtiva de bens e serviços, deve ser vista também, e ao mesmo tempo, como um espaço simbólico de exercício de direitos e poderes tanto pelo empresário como pelos trabalhadores[4]

    Assim entendido, pode-se dizer que no Brasil, a participação democrática dos trabalhadores na empresa encontra guarida nos arts. 1º, 7º, inciso XI e 11 da Carta da República. 

    E contrariamente ao que alguns apressados têm afirmado, a chamada “Reforma Trabalhista” enviada ao Congresso Nacional no final do ano de 2016 propondo alteração da legislação laboral com a criação de representação dos trabalhadores na empresa, nada mais faz do que disciplinar o que se encontra previsto na Carta da República e na Convenção 135 da OIT, tornando realidade aquilo que o constituinte de 1988 pretendeu.

    A nosso ver esse mecanismo sob a perspectiva democrática pode constituir e certamente constituirá um valioso instrumento de participação e colaboração dos trabalhadores na empresa, pois lhes dar voz a respeito de questões que lhes digam respeito.

    Esse direito é inspirado na filosofia socialista do Século passado e nas Encíclicas Quadragesimo Anno e Rerum Novarum, nas quais se defendeu com bastante ênfase a ideia do trabalho como um valor social. 

    Com fundamento nessa visão se pregava a participação dos trabalhadores na gestão e nos destinos da empresa o que, diga-se de passagem, tem sido reiterada em outras Encíclicas e incorporada pelas diversas Constituições dos países democráticos especialmente os do ocidente, inclusive pela Constituição brasileira de 1988 (arts. 1º e 11).

    3. Importância do direito de participação dos trabalhadores na empresa 

    A participação dos trabalhadores na gestão da empresa ou nos assuntos que lhes digam respeito pode e deve constituir uma grande conquista, pois também visa democratizar as relações laborais por meio do diálogo direto entre o trabalhador e o empregador sem necessidade da intermediação do sindicato que, todavia, continua a desempenhar o relevante papel de representante de toda a categoria, especialmente no âmbito da negociação coletiva, que por força do contido na Proposta de Reforma, também terá a participação da representação dos trabalhadores na empresa na hipótese de visar a formalização de acordo coletivo de trabalho, inaugurando-se assim, um duplo canal de diálogo: o da representação dos trabalhadores na empresa e aquela do sindicato da categoria. Por conseguinte, referida proposição deve ser aplaudida, pois a par de facilitar o diálogo direto entre empresa e empregados, torna realidade o principio democrático no âmbito das organizações empresariais.

    É claro que a proposta pode e deve ser aperfeiçoada. Mas para isso, todos os interessados – trabalhadores, empresários ou empreendedores e suas representações - devem participar das discussões perante o Parlamento.

    Ademais, entendemos que dessa discussão não pode se furtar o Judiciário Trabalhista e as associações de Magistrados. Afinal, será a Justiça do Trabalho o órgão do Judiciário responsável pelo julgamento dos conflitos que possam surgir, e com certeza surgirão, a respeito do alcance e da aplicação da norma proposta, máxime porque quanto maior for a participação da sociedade nas discussões, maior será a legitimidade da norma e, por conseguinte, terá mais possibilidade de aperfeiçoamento.

    Desse modo, pensamos indispensável um amplo debate entre todos os interessados a respeito da criação desse novo instituto, não sendo admissíveis meras críticas, sem se apontar o que deveria ser aperfeiçoado ou mudado na Proposta.

    4. Formas de participação dos trabalhadores

    Pode-se definir a representação dos trabalhadores na empresa como a representação eleita pelo conjunto dos trabalhadores para proceder ao diálogo direito entre estes e o empregador em assuntos que lhes digam respeito. Constitui, assim, uma representação geral do conjunto dos trabalhadores, independentemente daquela feita pela entidade sindical que continua a representar toda a categoria, nos termos previstos no art. 8º da Carta da República.

    É claro que o modelo de representação e de participação dos trabalhadores na empresa, depende de cada sistema jurídico e das peculiaridades da legislação laboral de cada país[5].

    Entretanto, podem-se identificar alguns modelos gerais, entendidos como aquétipos que têm sido alcunhados na realidade atual e que admitem uma ampla aplicação nos diversos sistemas jurídicos dos países democráticos como a cogestão e a representação dos trabalhadores na empresa, modelos acolhidos pelo constituinte de 1988 (arts. art. 7º, inciso XI e 11 da Carta da República) sem se deixar de mencionar as CIPAS e outras formas de representação.

    A participação dos trabalhadores na cogestão da empresa alcança seu grau máximo de intensidade quando esta é dirigida em conjunto pelo empresário e os trabalhadores, o que no Brasil parece ainda está muito longe de ser alcançada, mas que não deve ser descartada, especialmente num momento de crise como a que vivenciamos, em que essa participação poderia de forma de contribuir para superação de dificuldades. 

    O outro modelo – o da representação dos trabalhadores na empresa – constitui uma forma de distribuição do poder entre os diversos atores inseridos em uma determinada relação de trabalho de participarem das decisões relevantes da empresa, especialmente aquelas que de alguma forma possam afetar seus legítimos interesses. 

    Considera-se tanto mais participativa uma organização quanto maior for a distribuição do poder entre seus membros, e isso é um reflexo do princípio democrático em que todos os interessados devem participar do processo decisório. Afinal, numa democracia participativa as relações de poder devem ser compartilhadas e esse princípio deve ser transportado para o âmbito da empresa, pois tanto o empresário ou empregador como o trabalhador são atores do processo produtivo e, portanto, devem participar do poder.

    Parece ter sido essa a visão que o autor da Proposta de Reforma Trabalhista com a criação da representação dos trabalhadores na empresa ou local de trabalho, à medida que o sistema de cogestão, embora previsto no Texto Maior, depende para implementação de Lei até agora não editada.

    5. Analise da Proposta

    De acordo com Proposta de Reforma Trabalhista:

    Art. 523-A. É assegurada a eleição de representante dos trabalhadores no local de trabalho, observados os seguintes critérios:

    I - um representante dos empregados poderá ser escolhido quando a empresa possuir mais de duzentos empregados, conforme disposto no art. 11 da Constituição;

    II - a eleição deverá ser convocada por edital, com antecedência mínima de quinze dias, o qual deverá ser afixado na empresa, com ampla publicidade, para inscrição de candidatura, independentemente de filiação sindical, garantido o voto secreto, sendo eleito o empregado mais votado daquela empresa, cuja posse ocorrerá após a conclusão da apuração do escrutínio, que será lavrada em ata e arquivada na empresa e no sindicato representativo da categoria; e

    III - o mandato terá duração de dois anos, permitida uma reeleição, vedada a dispensa arbitrária ou sem justa causa, desde o registro de sua candidatura até seis meses após o final do mandato.

    § 1º O representante dos trabalhadores no local de trabalho terá as seguintes prerrogativas e competências:

    I - a garantia de participação na mesa de negociação do acordo coletivo de trabalho; e

    II- o dever de atuar na conciliação de conflitos trabalhistas no âmbito da empresa, inclusive quanto ao pagamento de verbas trabalhistas, no curso do contrato de trabalho, ou de verbas rescisórias.

    § 2º As convenções e os acordos coletivos de trabalho poderão conter cláusulas para ampliar o número de representantes de empregados previsto no caput até o limite de cinco representantes de empregados por estabelecimento.” (NR)

    Como se vê da Proposta, o Governo optou pelo modelo de dupla representação: coletivamente a categoria continua a ser representada pela entidade sindical, e no âmbito da empresa com mais de duzentos empregados, os trabalhadores elegerão um representante, facultada a ampliação por meio de norma coletiva.

    Aqui a primeira crítica à Proposta, considerando que embora o art. 11 da Constituição da República preveja que apenas as empresas com mais de duzentos trabalhadores poderão ter esse tipo de representação, nada impede que aquelas com menos de duzentos empregados também o tenha, considerando o disposto no art. 7º da Carta de 1988 prevendo a possibilidade de a Lei ampliar os direitos laborais “que visem a melhoria das condições sociais” dos trabalhadores.

    Assim, não deveria a Proposta ter limitado essa modalidade de representação às empresas com mais de duzentos empregados, a exemplo do que previsto no art. 62 do “Estatuto de los trabajadores” espanhóis, estabelecendo que a representação nas empresas com menos de cinquênta trabalhadores e para aquelas que contem com seis e dez empregados poderá ser instituída “si así lo decidieran éstos por majoría”. 

    O fato de o art. 11 da Carta de 1988 prevê a representação dos trabalhadores no local de trabalho apenas para as empresas com mais de duzentos trabalhadores, não quer dizer que isso também não possa acontecer naquelas com menos de duzentos, considerando não apenas a autorização constante do art. 7º do Texto Maior, mas também o caráter de porosidade das normas do Direito do Trabalho, que permite ao legislador criar novos direitos além daqueles expressamente previstos que visem a melhoria das condições sociais do trabalhador, tomando em consideração e evolução social e o desenvolvimento científico e tecnológico que terminam influenciando o modelo de produção e de trabalho, exigindo do legislador a adequação das normas laborais à essa realidade.

    Defendemos, pois, com base nesse entendimento, que apesar da Proposta contemplar a representação dos trabalhadores apenas nas empresas com mais de duzentos empregados, nada impede que os próprios trabalhadores, com fundamento na autonomia coletiva, criem essa modalidade de representação no âmbito de organizações com menos de duzentos empregados, a exemplo do ocorre no modelo espanhol, cujo art. 62 do “Estatuto de los trabajadores”, e ainda no disposto na Convenção 135 da OIT. Até porque isso apenas trará benefícios, pois facilita a interlocução e o diálogo direto dos trabalhadores com a empresa. 

    O representante será escolhido por meio de eleição direta pelos trabalhadores, cujo procedimento a norma proposta estabelece.

    O mandado do representante é de dois anos, permitida uma reeleição.

    Fica vedada a dispensa arbitrária ou sem justa causa, desde o registro de a candidatura até seis meses após o término do mandato instituindo-se, assim, mais uma garantia provisória de emprego, de modo a evitar que o eleito possa sofre pressões no desempenho da missão.

    Todavia, a dispensa motivada, como a do representante dos trabalhadores a CIPA não pressupõe prévio inquérito para apuração da falta grave, podendo ser demonstrada no curso de eventual ação pelo empregador.

    O trabalhador eleito terá as seguintes atribuições e prerrogativas: a) participação da mesa de negociação do acordo coletivo; b) atuação na conciliação de conflitos trabalhistas no âmbito da empresa, inclusive quanto ao pagamento de verbas trabalhistas, no curso do contrato de trabalho, ou de verbas rescisórias.

    A atuação no âmbito da negociação coletiva é limitada ao acordo coletivo, à medida que na convenção coletiva, que estabelece normas para toda a categoria, a negociação será levada a efeito pelo Sindicato.

    Além disso, o representante dos trabalhadores atuará na conciliação de conflitos trabalhistas individuais no âmbito da empresa, inclusive quanto ao pagamento de verbas trabalhistas, no curso do contrato de trabalho e ainda quanto às verbas rescisórias.

    Instala-se, assim, no âmbito da própria empresa, uma instância extrajuducial de negociação e resolução de conflitos, o que é bastante saudável e oportuno, pois com isso se permite que aos próprios atores do conflito o resolvam por meio do diálogo e da negociação evitando-se seja judicializado. Por conseguinte, com possibilidade de preservação ou restabelecimento das relações abaladas ou rompidas pelo conflito. Afinal, ninguém melhor do que os atores deste conhecem suas causas e, por essa razão encontram-se em melhores condições para dialogar e resolvê-lo num processo negocial. 

    Em artigo sobre os métodos consensuais de resolução de conflitos[6], tivemos a oportunidade de defender e aqui reiteramos:

    Esses métodos consensuais que sempre existiram e foram mesmo os meios primitivos de composição das controvérsias, passaram a despertar o estudo e o interesse da sociedade, à medida que se mostram muitas vezes mais propensos a resolver com celeridade e justiça, os conflitos de interesse, especialmente aqueles que envolvem relações de natureza continuativa, como as relações familiares, de vizinhança, de trabalho e tantas outras. 

    No campo das relações laborais esses métodos enquanto integrativos da própria função jurisdicional do Estado, podem se revelar, quando corretamente manejados, um importante instrumento de acesso à justiça.

    Embora naquela oportunidade se estivesse analisando a conciliação judicial, não mudamos de opinião, pois continuamos defendendo que determinados conflitos, como aqueles decorrentes da relação de trabalho, podem e devem ser compostos por meio do diálogo direto entre os atores ou com auxilio de um mediador, como pretende a Proposta de Reforma, ao instituir o representante dos trabalhadores no local de trabalho com a missão, entre outras, de intermediar a conciliação extrajudicial no âmbito da própria empresa quanto aos conflitos decorrentes do contrato laboral, inclusive aqueles que se referem às parcelas oriundas do rompimento do contrato.

    É claro que essa forma de composição dos conflitos laborais, pressupõe além das garantias ao representante do trabalhador de modo a não sofrer qualquer tipo de pressão, também demanda preparo deste que deve ser informado a respeito de todas as questões envolvidas no conflito, sendo aqui de extrema importância o direito-dever de informação.

    Deve, pois, a empresa fornecer todos os elementos solicitados e necessários para a atuação do representante do trabalhador como mediador do conflito, que na realidade será composto pelos seus próprios atores. 

    Pensamos, assim, que os representantes dos trabalhadores devem ser capacitados para proceder a mediação, de modo a evitar que a instância extrajudicial se converta em local de mera homologação e de renúncia de direitos.

    A par disso, a assistência jurídica do sindicato ou do advogado das partes deve ser sempre permitida. 

    Mas isso não impede que se valorize essa forma de resolução dos conflitos trabalhistas e assim se evite a judicialização de demandas que podem ser perfeitamente solucionadas pelos próprios envolvidos com a intermediação do representante dos trabalhadores no âmbito da própria empresa, com economia de tempo e evitando-se gastos para todos.

    Além dessas vantagens, não se pode perder de vista que nesse tipo de resolução de conflitos existem maiores possibilidades de cumprimento, pois fruto da vontade dos próprios envolvidos que, por vontade própria, estabeleceram as condições que devem cumprir.

    Mas é claro que nem todo tipo de conflito laboral poderá ser objeto desse tipo de resolução. Sempre existirão questões técnicas e de direito controvertidas que demandarão pronunciamento judicial. Afinal, como lembra Mauro Capelletti[7]:

    A conciliação é extremamente útil para muitos tipos de demandas e partes, vencedoras ou vencidas. Mas, embora a conciliação se destine, principalmente, a reduzir o congestionamento do Judiciário, devemos certificar-nos de que os resultados representem verdadeiros êxitos, não apenas remédios para problemas do Judiciário, que poderiam ter outras soluções. 

    Ademais, não é obrigatória a conciliação no âmbito da empresa, constitui apenas uma faculdade, não podendo ser considerada como pressuposto processual para ajuizamento da ação trabalhista, considerada a garantia contida no art. 5º, inciso XXXV da Carta da República[8].

    A outra questão que deve ser analisada, diz respeito a eventual descumprimento daquilo que foi objeto de conciliação levada a efeito no âmbito da empresa com a intermediação do representante dos trabalhadores. 

    Desse modo surge a inevitável pergunta: qual a natureza jurídica do ajuste, como e onde executá-lo?

    Em nosso modesto pensar, o documento que instrumentaliza a conciliação extrajudicial firmada pelas partes com a intermediação do representante dos trabalhadores na empresa, tem natureza de titulo extrajudicial, nos termos do previsto no art. 784 do Código de Processo Civil.

    Desse modo, legitima a execução perante a Justiça do Trabalho, nos termos constantes da norma contida nos arts. 114 da Constituição Federal e 876 da Consolidação das Leis do Trabalho, e será processada de acordo o procedimento previsto para a execução de títulos extrajudiciais prevista no Código de Processo Civil.

    6. Considerações finais 

    Embora a Reforma Trabalhista mereça alguns aperfeiçoamentos que deve ser levado a efeito num grande debate com todos os interessados, em boa hora disciplina a representação dos trabalhadores na empresa, instância extrajudicial com poderes para atuar no diálogo direto entre empregados e empregadores, inclusive quanto à negociação coletiva alusiva aos acordos coletivos de trabalho, tendo ainda a importante missão de intermediar a resolução dos conflitos decorrentes do contrato de trabalho, inclusive aqueles originários do rompimento deste.

    Essa forma de representação, fundada no princípio democrático-participativo, encontra assento no Texto Maior e na Convenção 135 da OIT.

    Deve ser prestigiada e incentivada como um novo e democrático mecanismo não apenas de fomentação do diálogo, mas também como um espaço de conquista de direitos, prevenção e resolução de conflitos.

    Desse modo, se devidamente entendida e implementada, pode também democratizar as relações de trabalho, além de contribuir para a diminuição da litigiosidade entre empregados e empregadores que comporão pelo o diálogo, pela negociação seus próprios conflitos. 

    É, pois, a nosso sentir, bem-vinda. 

    [1] De acordo com aquela Diretiva: 

    “Artículo 1 

    Objeto 

    1. La presente Directiva tiene por objeto la mejora del derecho de información y consulta a los trabajadores en las empresas y grupos de empresas de dimensión comunitaria. 2. A tal fin, en cada empresa de dimensión comunitaria y en cada grupo de empresas de dimensión comunitaria se constituirá un comité de empresa europeo o un procedimiento de información y consulta a los trabajadores, siempre que se haya formulado una petición en tal sentido de conformidad con el procedimiento previsto en el apartado 1 del artículo 5, a fin de informar y consultar a dichos trabajadores en las condiciones, según las modalidades y con los efectos previstos en la presente Directiva. 3. No obstante lo dispuesto en el apartado 2, cuando un grupo de empresas de dimensión comunitaria en el sentido de la letra c) del apartado 1 del artículo 2 incluya una o más empresas o grupos de empresas que sean empresas de dimensión comunitaria o grupos de empresas de dimensión comunitaria en el sentido de la letra a) o c) del apartado 1 del artículo 2, el comité de empresa europeo se constituirá a nivel del grupo, salvo disposición en sentido contrario de los acuerdos a que se refiere el artículo 6”. 

    [2] MONTEIRO FERNANDES, António. Direito do Trabalho. Coimbra: Almedina, 2006, p. 712/713. 

    [3] BAYLOS, Antonio. Direito do Trabalho: Modelo para Armar. Trad. Flavio Benites e Cristina Schultz. São Paulo: LTr, 1999, p. 117. 

    [4] LIMA FILHO, Francisco das C. Os Direitos Fundamentais e a Boa-fé como limites ao Poder Diretivo Empresarial. Tese de doutoramento defendida em julho de 2015 na Universidad Castilla-la Mancha - Espanha. Inédita. 

    [5] Como recorda a doutrina espanhola: “A efectos sistemáticos, el fenómeno puede estructurarse en cinco niveles: en el primero, se contempla el derecho del trabajador a ser informado sobre la marcha de la empresa; en el segundo, la plantilla también debe ser consultada y oídas sus sugerencias, sin que la opinión del personal resulte vinculante; en el tercero, está facultado para la comprobación de hechos y documentos relevantes en la actuación de la entidad mercantil; en el cuarto, se le otorga un derecho de veto sobre las decisiones del empresario, sin alterar la iniciativa, que sigue correspondiendo a éste; en el último, se contempla la codecisión, en la cual trabajadores y empresarios comparten la gestión y responsabilidad de la dirección”. AGRA VIFORCOS, B. “Cogestión”. AA.VV. In: Diccionario Internacional de Derecho del Trabajo y de la Seguridad Social. Valencia: tirant lo blanch, 2014, p. 195 e ss. 

    [6] LIMA FILHO, Francisco das C. A importância dos métodos consensuais de solução de conflitos. In: Luiz Eduardo Günter et al (Coord.). Conciliação. Um caminho para a paz social. Curitiba: Juruá, 2013, p. 285-298. 


    [7] CAPPELLETTI, Mauro et al. Acesso à Justiça. Trad. Ellen Gracie Norfhfleet. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1988, p.87. 

    [8] Aliás, assim também defendemos quando da edição da Lei 9.958/2000, instituidora das Comissões de Conciliação Prévia. In: Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS: v. 3, n. 6, jul./dez. 2001, tendo sido pacificado esse entendimento na jurisprudência do Colendo Tribunal Superior do Trabalho e do Excelso Supremo Tribunal Federal.



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