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    19/07/2015

    China? Qual das duas?

    Como compreender melhor a dicotomia política que tece a complicada relação entre China e Taiwan


    Ilustração

    Muitas pessoas ignoram o fato de que existem dois países no mundo que reclamam para si o título de república chinesa: A República Popular da China (a China continental), e a República da China (Taiwan), o que tem gerado inúmeros atritos políticos e diplomáticos, não apenas entre as duas nações, mas também entre seus aliados políticos, fator que tem afetado o reconhecimento internacional de ambas, entre as diversas nações do mundo, e suas respectivas representações oficiais, nos termos 

    das Nações Unidas. Mas, se voltarmos um pouco no tempo, compreenderemos, muito bem, a origem de tal contenda política. 

    Nos anos 1940, os maiores partidos políticos na China eram o Partido Nacionalista, liderado por Chiang Kai-shek, e o Partido Comunista, liderado por Mao Tsé-Tung. O Partido Nacionalista era dominante, mas querendo assumir o seu lugar, o Partido Comunista deu início a uma violenta ofensiva, que, eventualmente, transformou-se em uma virulenta guerra nacional. O Partido Comunista de Mao acabou tornando-se vitorioso, e, em consequência, estabeleceu pela China continental um novo regime. Com sua eventual derrota, os membros do Partido Nacionalista, juntamente com seu líder, Chiang Kai-shek, retiraram-se para a ilha de Formosa, e lá estabeleceram um governo – que, à princípio, seria apenas provisório –, com a capital em Taipei, considerada, inicialmente, uma capital temporária, chamada por Chiang Kai-shek de "Capital dos Tempos de Guerra". Com isso, o governo, considerado por muitos como sendo o legítimo governo oficial da China, acabou com todo o seu poder restrito ao território da ilha de Formosa – além das demais ilhas do arquipélago –, enquanto continuou a reclamar como sendo seu o direito de governar a China continental. Por sua vez, o Partido Comunista de Mao, que acabou tornando-se, de facto, a autoridade governamental da China continental, passou a ocupar a posição de legítimo e soberano governante da república chinesa, com isso, vindo a reclamar também, como sendo seu, o direito de governar Taiwan, bem como todas as demais ilhas adjacentes, por considerarem-na uma parte legítima do território nacional. Desta maneira, dois governos contrários e conflitantes vieram a existir, um reclamando o território do outro como sendo uma parte oficial de sua legítima soberania nacional. 

    Sendo, evidentemente, uma situação complexa e difícil, divide governos e estados nacionais até hoje, colocando-os em posições políticas delicadas. Até mesmo Estados Unidos e Grã-Bretanha – que normalmente compartilham opiniões políticas muito similares –, são muito divergentes em suas posições à respeito de qual governo seria, de fato, o soberano e autêntico governo chinês. Evidentemente, a ilha de Formosa, muito antes do domínio chinês, já possuía uma população e uma cultura aborígene própria, que, muito distinta de seus colonizadores, em diversos períodos de sua história, viu a eclosão de diversos atritos e severas contendas contra os seus invasores – a saber, holandeses, espanhóis e chineses, em ordem cronológica – tomarem forma, embora, na época da revolução chinesa, chineses étnicos já habitassem a ilha de Formosa há bastante tempo. Quando Chiang Kai-shek, juntamente com todo o seu séquito de milhões de soldados e afiliados partidários retiraram-se para a ilha – não sem antes levarem uma boa parte dos tesouros, espólios e valores dos cofres públicos da China continental – uma grande tensão instalou-se entre os recém-chegados e os habitantes nativos, e a ilha de Formosa – que já tinha uma população de milhões – com o enorme fluxo de expatriados nacionalistas da China continental, viria a tornar-se uma das nações mais densamente povoadas do mundo. Como não poderia deixar de ser, em qualquer situação que tenha um amplo e denso subtexto político como sustentáculo, com a chegada de Chiang Kai-shek e de seus acólitos em território taiwanês, uma lei marcial entrou em vigor, e um regime de terror iniciou-se em Formosa, que ficou conhecido como o "Terror Branco", que entrou em vigor com a decisão do governo expatriado nacionalista de capturar e executar sumariamente todos aqueles que fossem suspeitos de ter relações ou vínculos com os comunistas do continente, e, apesar do período das grandes atrocidades ter ocorrido nos anos 1950, a lei marcial foi revogada apenas em 1987. 

    Com o passar das décadas, no entanto, pouca coisa mudou no relacionamento entre a República da China e a República Popular da China. Quando sinais de uma possível reconciliação parecem querer finalmente unir as duas nações, estremecimentos e discórdias em base política ressurgem, com intensidade ainda maior. Embora o atual governo da China continental nunca tenha controlado Taiwan, o seu reconhecimento internacional complicou-se com o passar dos anos, em virtude do fato da grande maioria das nações do mundo reconhecerem como oficial e legítimo o governo comunista continental, que, por outro lado, continua sendo visto por muitos como um governo usurpador, já que, anteriormente, até 1949, foram os nacionalistas os legítimos governantes do continente. Com a ameaça de uma intervenção armada, caso negociações pacíficas não se mostrem possíveis, o governo comunista da China continental declarou recentemente que, se uma invasão militar se fizer necessária, estarão prontos para efetuá-la de imediato, mesmo que isso signifique adotar medidas drásticas, especialmente se Taiwan insistir em afirmar-se como um estado independente. Por esse motivo, o governo da China continental recusa-se a ter relações diplomáticas ou políticas com qualquer país do mundo que reconheça a soberania internacional de Taiwan. 

    Divulgação


    Não obstante, indiferente a esta posição, os Estados Unidos mantem relações diretas com Taiwan, comercializando armamentos, e prestando treinamento e assistência militar intensiva, o que tem prejudicado muito o relacionamento entre Estados Unidos e China, que ameaçou impor aos Estados Unidos enormes sanções comerciais, se as duas nações insistirem em estreitar relações. Não obstante, os Estados Unidos alertou o governo chinês a ter cautela em seu relacionamento com Taiwan, insistindo na predileção por relações pacíficas, não fazendo nada que venha a "alterar unilateralmente o atual status quo de Taiwan", e, por sua vez, alertou também o governo taiwanês a ter prudência em seu relacionamento com a China continental. Os interesses dos Estados Unidos nesta insidiosa e hostil relação política, no entanto, parecem estar longe de permanecer na esfera da altruísta diplomacia governamental, com muitos comentadores políticos afirmando que, na verdade, o Tio Sam não quer arriscar perder um de seus maiores clientes de parafernálias bélicas na Ásia. 

    De diversas maneiras – a maioria delas, no entanto, discreta –, o governo da China continental já especulou muitas formas de incorporar Taiwan, estudando principalmente a possibilidade de torná-la uma unidade administrativa com status especial, debaixo do módulo governamental conhecido como "Uma Nação, Dois Sistemas", atualmente aplicado a Macau e Hong Kong, que, até a pouco tempo atrás, eram colônias, de Portugal, e Grã-Bretanha, respectivamente. Não obstante, tudo indica que nenhum dos lados irá ceder tão facilmente, o que torna evidente o fato de que esta é uma novela de enormes proporções políticas, que, tão cedo, não irá ter um fim. Como sabemos, em questões de caráter governamental e diplomático, os seres humanos, além de intransigentes, são muito divergentes, então, é provável que essa história se prolongue, ainda, por muito tempo, com a mesma estagnação e os mesmos atritos que já existem, há décadas.


    Por: Wágner Herzog - CURRÍCULUM