CAMPO GRANDE (MS),

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    02/09/2013

    Cabos eleitorais detalharam compra de voto e complicaram defesa de vereador cassado

    Foto: Divulgação
    Apesar da relativa facilidade com a qual os vereadores recentemente cassados conseguiram liminares que os mantiveram nos cargos até o julgamento das cassações, juristas avaliam que as decisões judiciais incluem relatos bastante comprometedores para os políticos nos processos.

    É o caso, por exemplo, dos depoimentos dos cabos eleitorais e dos eleitores aliciados pelo suposto esquema de compra de votos do vereador cassado Alceu Bueno (PSL). As declarações foram colhidas de quatro nomes retirados entre os 500 que figuravam em um pen drive entregue ao Ministério Público.

    Para a Justiça, as histórias possuem riqueza de detalhes que se mostram em consonância com as demais provas. Foram ouvidos no gabinete do promotor eleitoral as testemunhas Roger de Jesus Freitas, Rasdair Souza da Mata - Coordenadores de campanha eleitoral do representado Alceu Bueno - e as testemunhas Jovair Torres e José Luiz Pessoa de Oliveira - eleitores cooptados pelo esquema de compra de votos.

    A juíza pontua na decisão que a alegação de que os coordenadores de campanha teriam exigido dinheiro do vereador para não vir depor é irrelevante. Para Baisch, ‘os motivos pelos quais resolveram denunciar os esquemas, seja por crença religiosa, dívidas, vingança ou ressentimento, não são suficientes por si só para retirar a credibilidade do que foi dito’.

    Além disso, na avaliação da juíza, o vereador não observou a legislação que diz “Ficam vedadas quaisquer doações entre o registro e a eleição, em dinheiro, bem como de troféus, prêmios, ajudas de qualquer espécie, feitas por candidato a pessoas físicas ou jurídicas”, e ao arrepio da lei, é réu confesso quanto a ter doado combustível para pessoas físicas que classifica como voluntários.

    Denúncia

    A primeira investigação teve origem em denúncias enviadas ao TRE. Uma pessoa não identificada ligou dizendo:

    “O candidato Alceu Bueno está pagando R$ 100 para votar nele, ele carimba cada santinho, está fazendo a distribuição no próprio comitê, o comitê localiza-se na Barão do Rio Branco em frente a antiga rodoviária. A placa do carro do Sr. Roger que está comprando voto é de HPI-1068 – marca Focus prata, no carro encontra-se R$ 3.000,00 (três mil reais) e títulos eleitorais”.

    “No comitê do candidato Alceu Bueno está havendo neste momento a compra de votos”.

    Como resultado da busca e apreensão, foram encontrados diversos contratos de compra de combustível, em pequenas quantias, blocos de requisições. Foi apreendida também uma lista contendo 24 nomes de pessoas beneficiadas, inclusive com a data em que o adesivo foi colocado nos veículos. Foi encontrada também quantia em dinheiro, por volta de R$ 300,00 divididos em notas de R$ 5,00.

    Depoimentos

    Os depoimentos são a base contundente para a condenação do vereador. Segundo o MP, há uma riqueza de detalhes que bate com todo o esquema investigado. Uma das testemunhas afirma que no sábado que antecedeu as eleições o vereador teria saído nos bairros com um carro de apoio, recheado de dinheiro.

    O coordenador financeiro, Rasdair da Mata, por exemplo, revela que nem de longe a prestação de contas revela a verdadeira movimentação da campanha eleitoral. Ele explica que apesar de terem sido gastos R$ 100 mil para distribuição de vales combustíveis a eleitores, o valor não foi declarado e conta ainda como os postos atuam para ‘esquentar’ contratos.

    “...foram apreendidos apenas 70 tíquetes pela Justiça Eleitoral; que o candidato foi orientado por outros vereadores já eleitos em eleições passadas de que deveria constar em sua prestação de contas apenas o referente ao que foi apreendido; ... por ser um procedimento de risco é feita uma manobra onde o posto de gasolina pede para deixar lá uns contratos em branco e, assim, se aparecer a fiscalização do TRE, esquenta-se aquele contrato, quer dizer, é preenchido”.

    Em outras declarações, as testemunhas deixam claro que Bueno nunca colocou limite e queria sempre mais pessoas e que o uso do pen drive seria tática para despistar a fiscalização.

    “...a lista começou com 50 pessoas e chegou a mais de 500 pessoas cadastradas; que como sabiam o perigo da Polícia Federal aparecer, a lista não era colocada em papel e nem mesmo ficava no computador, era tudo feito no pen drive que seria mais fácil colocar no bolso no caso de haver uma fiscalização...”.

    A sentença de cassação traz ainda informações de que Bueno teria reinventado ‘com muita criatividade o famigerado caixa 2’. A prática teria sido confirmada pelo coordenador de campanha, quando afirmou que o dinheiro gasto com gasolina não passou pelas contas oficiais. O depoimento vai além e afirma que mesmo depois da apreensão, o esquema continuou.

    “...o vereador tinha acesso total a lista onde estavam o nome completo, as placas e o modelo do veículo, telefone, endereço de alguns e também anotação se era a primeira semana, a segunda semana, foram seis semanas ao todo, que quando ia no depósito mostrava para o candidato o laptop e ele ficava orgulhoso de ver como a coisa estava evoluindo; que continuou com este esquema mesmo depois que houve a apreensão no comitê” .

    Sobre o dinheiro apreendido no comitê, a alegação de que pertencia a uma funcionária foi desqualificada pelo oficial de Justiça. O servidor, que tem fé pública descreveu que dentro do comitê fez buscas e encontrou uma moça com cerca de R$ 300 divididos em notas de R$ 5,00 e que o dinheiro estava “em uma mesa” e não retirado de dentro da bolsa dela. A mulher teria se atrapalhado e dito que era para seu pagamento e depois para comprar coisas pequenas para o comitê.

    Outra declaração dá conta ainda que depois da batida os tíquetes foram substituídos por dinheiro.

    “...no início operavam com tíquetes, mas depois teve um zum-zum-zum na cidade que a Polícia Federal estava aparecendo de repente nos comitês, então tiveram a ideia de passar dinheiro vivo para as pessoas de forma a não deixar rastro”.

    Na cassação ainda consta que a compra de votos teria sido a tônica da campanha de Bueno que já havia tentado se eleger por cinco vezes sem sucesso. Nesta eleição, estava firme de que este é o único método para levar à diplomação. Assim, consta inclusive que foi orientado por vereadores mais experientes, já eleitos em eleições passadas e tratou de aprimorar os ensinamentos.

    Segundo uma testemunha, no sábado que antecedeu as eleições o vereador teria saído nos bairros com um carro de apoio, recheado de dinheiro.

    “...no sábado antes da eleição o esquema foi diferente, foi compra de votos direta; o vereador pessoalmente se encarregou de ir a reuniões em determinados locais nos bairros, onde levou dinheiro, quer dizer ele locou um carro para ir atrás do carro dele levando dinheiro que seria distribuído nestas reuniões, assim se fosse abordado no carro que estava não teria nada contra ele; que quando evoluíram para passar oferecer dinheiro aos eleitores, era sempre dinheiro trocado, normalmente uma nota de R$-20,00 e outra de R$ -5,00”.

    A juíza faz ainda um cálculo e aponta que se um vereador recebe por mês R$ 15 mil, significa que com os descontos não levará para casa mais do que R$ 10 mil, chegando a um valor de aproximadamente R$ 500 mil para os quatro anos de mandato. Considerando que deste valor deverá separar um percentual para os gastos da próxima campanha, parece que a conta não fecha. “Quem paga a conta é sempre o contribuinte”, salienta Baisch na decisão judicial.


    Fonte: Midiamax
    Por: Diana Gaúna
    Foto: Divulgação