Publicado por Marcos Vinhal Campos, em 16 de outubro, 2007

I – Introdução
Antes de adentrarmos aos aspectos jurídicos que envolvem a matéria, conceitualmente temos que a poliomielite ou paralisia infantil, é uma doença infecto-contagiosa viral aguda, sem tratamento específico, que se manifesta através de infecções não aparentes, passando por quadros gripais, intestinais, quadro febril, meningite asséptica até formas de paralisias, podendo, por fim, levar o paciente ao óbito.
A paralisia causada pela poliomielite é, caracteristicamente, assimétrica, flácida e pode acometer centros bulbares de controle da respiração, causando insuficiência respiratória. Cerca de 1% das infecções pelo vírus resultam em quadros paralíticos.
Após a instalação do quadro paralítico, há a possibilidade da recuperação natural durante os dois próximos anos. O que se observa nesse período é um gradativo aumento da capacidade funcional, particularmente em membros inferiores, sendo comum pacientes que deixam de lado o uso de órteses e outros métodos de auxílio a marcha. Essa fase de recuperação é seguida de estabilidade funcional, na qual o paciente não nota ganho ou perda frente as suas incapacidades.
A transmissão pode se dar de pessoa a pessoa. A boca é a porta de entrada, fazendo-se a transmissão pelas vias fecal-oral, o que é crítico em situações onde as condições sanitárias e de higiene são inadequadas ou oral-oral, esta última através de gotículas de muco da orofaringe, ou seja, provenientes do falar, tossir ou espirrar.
O vírus é de distribuição universal, não existe animal que desenvolva o quadro de infecção ou que sirva de reservatório, tudo indica que o homem é seu único hospedeiro.
A vacinação em massa se mostrou como um método eficaz de erradicação da doença na América, onde a transmissão inexiste desde 1994.
O fato é que a poliomielite foi a causa da criação de uma população de crianças e adultos jovens com seqüelas e incapacidades variadas, crianças e jovens estes que se tornaram adultos vivendo em um país que mal cumpre com as prerrogativas constitucionais de prestação de serviços básicos como saúde, transporte e educação, bem como a concessão de dignidade proveniente do dia a dia da jornada laboral para indivíduos sem seqüelas da poliomielite.
Imaginem, então, a dificuldade existente para cidadãos que convivem com a dificuldade de se locomover, não de hoje, mas desde a infância e, que além da paralisia física a doença possa ter trazido conseqüências piores para as pessoas deficientes, tais como segregação social, distúrbios psicológicos, falha educacional, redução nas oportunidades de trabalho, entre outras conseqüências sociais fruto da desinformação e preconceito de grande parte da população.
II – Definição de Portador de Deficiência
Os governos brasileiros que se sucederam e que se sucedem tentam, por meio de edição de leis, garantir o princípio da igualdade previsto na nossa constituição, qual seja, tratar de forma igual os iguais e de forma desigual os desiguais, obviamente, dando condições positivamente diferenciadas para os desiguais, dentre os quais os deficientes físicos, haja vista as dificuldades oriundas da ausência parcial ou total de ações físicas e locomoção, bem como a necessidade de inclusão social.
Com respeito às condições desiguais do deficiente físico e da necessidade de tratá-lo de forma diferenciada, o artigo 20, §1º da Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS (Lei 8742, de 07.12.1993) define como portador de deficiência aquela pessoa que apresenta incapacidade para o trabalho e para a vida independente, e que tal condição lhe cause dificuldade de integração social.
Neste passo, o artigo 3º, inciso I do Decreto nº 3298 de 20 de dezembro de 1999, decreto este que regulamenta a Lei 7853 de 24 de outubro de 1989, dispõe que deficiência é toda perda ou anormalidade de uma estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatômica que gere incapacidade para o desempenho de atividade, dentro do padrão considerado normal para o ser humano.
Ainda neste passo, pode-se estender a definição de portador de deficiência, com base no artigo 2º do projeto de lei do Senador Paulo Paim do PT do Rio Grande do Sul, ressalvando-se que tal disposição já consta de outros dispositivos legais, a saber:
“Art. 2º Considera-se deficiência toda restrição física, intelectual ou sensorial, de natureza permanente ou transitória, que limita a capacidade de exercer uma ou mais atividades essenciais da vida diária e/ou atividades remuneradas, causada ou agravada pelo ambiente econômico e social, dificultando sua inclusão social, enquadrada em uma das seguintes categorias:
I – deficiência física:
a) alteração completa ou parcial de um ou mais segmentos do corpo humano, acarretando comprometimento da função física, apresentando-se sob a forma de paraplegia, paraparesia, monoplegia, monoparesia, tetraplegia, tetraparesia, triplegia, triparesia, hemiplegia, hemiparesia, ostomia, amputação ou ausência de membro, paralisia cereberal, nanismo, membros ou face com deformidade congênita ou adquirida.”
Estas e outras disposições legais servem para chegarmos a uma única conclusão, a que o portador de paralisia oriunda da poliomielite é deficiente físico, para todos os fins de direito e obtenção de benefícios, em virtude da restrição e alteração física parcial que limita a capacidade de exercer normalmente atividades essenciais para a vida diária, agravada não somente pelo difícil ambiente econômico e social em que vivemos, bem como pelo preconceito velado que os deficientes sofrem, causando, por fim, a dificuldade de integração social.
III – Síndrome pós-pólio
Além das conseqüências primárias da poliomielite que dariam, por si só, ensejo a benefícios e direitos sociais para seus portadores, desde o século passado, verificam-se relatos de pacientes com antecedentes de poliomielite que após o período de estabilidade desenvolvem nova fraqueza no membro afetado e, eventualmente naqueles membros não acometidos.
Em meados dos anos 70, pacientes vitimados pela poliomielite começaram a notar que essa nova fraqueza não era uma curiosidade médica, mas sim um achado freqüente e cunharam o termo Síndrome Pós-pólio para definir esse novo conjunto de sintomas tardios da doença.
Essa síndrome não se deve a uma reativação viral, mas sim a uma sobrecarga dos músculos e nervos relacionados ao segmento do corpo que foi acometido pela paralisia.
Portanto, a síndrome pós-pólio seria um mecanismo de defesa do organismo ou mesmo conseqüência direta de se carregar a paralisia, posto que o esforço realizado por portadores de seqüelas da pólio, para terem uma vida ativa, são muito maiores do que seria se não tivessem limitações físicas.
Com isso, outros tipos de doenças, que não são associados diretamente a pólio, como osteoporose, artrite reumatóide e mialgias, podem ser desenvolvidas em virtude da deficiência física advinda da poliomielite, limitando ainda mais a atuação desses pacientes, sem prejuízo, felizmente, ao processo mental como raciocínio, memória e inteligência.
A síndrome Pós-pólio não é considerada uma doença, mas sim uma conseqüência da paralisia advinda da poliomielite, a qual fortalece a necessidade, por parte dos portadores de paralisia infantil, de obtenção de benefícios e direitos específicos.
IV – Direito dos portadores de deficiência
O objetivo central deste artigo é a descrição de certos direitos para portadores de deficiência, os quais se encontram, para todos os fins de direito, os portadores de paralisia física advinda como seqüela da poliomielite.
De antemão afirmamos que as leis existentes têm sua aplicabilidade e fiscalização prejudicadas pela ineficiência do poder público executivo, na sua função que lhe compete de prestação serviços de caráter social.
Sendo assim, deve o deficiente físico buscar o poder judiciário para exigir os direitos que lhe são dados pela lei, por meio da propositura de ações declaratórias com ou sem pedido de antecipação de tutela, bem como ação civil pública pleiteada por órgãos representativos que tenham legitimidade para agir, obrigando prefeituras, estados e o próprio governo federal e suas autarquias a fazerem aquilo que lhes competem.
Normas Legais / Dispositivos aplicáveis ao Deficiente Físico
- Lei nº 7.853/89
Além do direito à educação, direito à saúde, trabalho e formação profissional, trata também sobre a reserva de mercado de trabalho para deficientes físicos; direitos previdenciários; beneficio da assistência social, dispõe sobre questões de adaptação às edificações e sanções penais por deixar de prestar assistência médico-hospitalar e ambulatorial e recusar ou dificultar a internação.
- Lei nº 8.212/91 (Título IV, da Assistência Social)
O artigo 4º dispõe que a Assistência Social é a política social que prevê o atendimento das necessidades básicas, traduzidas em proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência, à velhice e à pessoa portadora de deficiência, independentemente de contribuição à Seguridade Social.
- Lei nº 8.213/91 (Seção II, artigos 89 à 93)
Diz respeito à habilitação e a reabilitação profissional e social. Dispõe que deve ser proporcionado ao beneficiário incapacitado parcial ou totalmente para o trabalho, e às pessoas portadoras de deficiência, os meios para a (re)educação e de (re)adaptação profissional e social indicados para participar do mercado de trabalho e do contexto em que vive. Além disso, dispõe que empresas privadas que possuam de 100 até 200 empregados devem garantir 2% de vagas para pessoas com deficiência; De 201 até 500 empregados, 3% de vagas; De 501 até 1000 empregados, 4% de vagas; Mais de 1000 empregados, 5% de vagas.
- Lei n° 8.742/93 (Lei Orgânica da assistência social – LOAS)
Diz respeito à habitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência física e mental e a promoção da sua integração à vida comunitária, dando garantia de um salário mínimo de beneficio mensal à pessoa portadora de deficiência, que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção, cuja renda mensal per capita familiar seja inferior a ¼ do salário mínimo.
- Lei n°10.098/00
Estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida, e dá outras providências.
- Lei n° 10.226/01
Facilitação para votação de eleitores portadores de deficiência.
- Lei n° 10.845/04
Institui o programa de complementação ao Atendimento Educacional Especializado às pessoas portadoras de deficiência.
- Lei nº 8.899/94 Lei do Estado de São Paulo n° 10012/85
Dispõe sobre passe livre a portadores de deficiência no sistema de transporte coletivos e sobre a obrigatoriedade de assentos reservados para portadores de deficiência, respectivamente.
- Projeto de Lei nº 3638/00
Dispõe sobre o Estatuto de portadores de necessidades especiais assegurar a integração social; direitos prioritários a serem garantidos; direitos básicos como: educação, saúde, emprego, transporte, habitação e previdência social, assegurando um salário mínimo a todo portador de deficiência.
V – Conclusão
Concluímos que apesar da existência de leis que estabelecem o mínimo para igualar os deficientes físicos às possibilidades das pessoas que não sofrem de qualquer deficiência física ou mental, a prestação de serviço público gerida pelo poder executivo, incluindo a Previdência Social, é ineficiente no cumprimento das leis, faltando fiscalização por parte do poder legislativo e dos órgãos fiscalizadores bem como do próprio poder executivo e judiciário.
As leis atuais acabam por não serem suficientes para realizar a inclusão social de deficientes físicos, no mercado de trabalho e, conseqüentemente, na sociedade, sendo que deveriam existir leis ainda mais protecionistas, concebendo maiores direitos e benefícios para os deficientes, bem como sanções aos entes públicos e privados no caso de desobediência às leis, visando tampar a lacuna existente, no que tange a falta de prestação de serviços básicos, principalmente, de educação e saúde.
O poder judiciário pode e deve ser provocado como uma válvula de escape para que os órgãos públicos, bem como entidades privadas, cumpram com a legislação dispositiva de direitos e benefícios para os deficientes físicos.
Neste sentido, empresas que não conseguem cumprir as cotas mínimas previstas em lei para contratação de trabalhadores portadores de deficiência estão enfrentando postura severa do Judiciário por meio de aplicações de sanções pecuniárias aplicadas pelas Delegacias Regionais do Trabalho (DRTs).
As empresas afirmam dificuldade para preenchimento das vagas, afirmação esta que só corrobora todos os nossos argumentos referentes à verdadeira dificuldade de um brasileiro deficiente em poder ter uma vida digna com relação à estudos, saúde, cultura e lazer, sendo que no Estado de São Paulo 44% das empresas ainda não se adequaram à legislação, conforme fonte do jornal Valor Econômico publicado no dia 05 de outubro do corrente ano.
De qualquer forma, mais importante do que tudo isto, é a criação de meios físicos, educacionais, financeiros e econômicos para união dos deficientes físicos e pessoas engajadas à luta por uma sociedade mais justa e equânime, por meio de associações ou organizações, visando-se o engajamento direto dos deficientes na definição das soluções dos “seus” problemas, bem como para difusão das informações referentes aos direitos e benefícios já existentes, criando-se, assim, um canal e uma voz forte para exercício dos direitos e da igualdade constitucional dos brasileiros deficientes físicos, consolidada na nossa carta magna, porque direito não é favor:
“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e estrangeiros residentes no Brasil a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade…” (caput do artigo 5º da Constituição Federal Brasileira).
Lembramos que cabe a cada um de nós a responsabilidade de limpar as nossas almas contra qualquer tipo de preconceito que possa envenenar os nossos corações e que acreditem na possibilidade de mudança do mundo para melhor.
“Nós vos pedimos com insistência: Nunca digam – Isso é natural. Diante dos acontecimentos de cada dia, Numa época em que corre o sangue Em que o arbitrário tem força de lei, Em que a humanidade se desumaniza Não digam nunca: Isso é natural A fim de que nada passe por imutável.” (Bertholt Brecht)
Por fim, para todos, mas, principalmente, para os deficientes físicos que têm os seus movimentos físicos debilitados por conta da poliomielite, cuja luta por uma vida digna em um país como Brasil é tarefa ainda mais árdua, pedimos para que nunca se esmoreçam e cresçam na fé, porque o amor e a misericórdia de Deus são infinitos e que o caminho da salvação foi nos dado por meio da crença e da adoção dos ensinamentos de seu único filho Jesus Cristo.
Cura de um paralítico
Depois disso, houve uma festa dos judeus e Jesus subiu a Jerusalém. Há em Jerusalém, junto à porta das Ovelhas, um tanque, chamado em hebraico Betesda, que tem cinco pórticos. Nestes pórticos jazia um grande número de enfermos, de cegos, de coxos e de paralíticos, que esperavam o movimento da água. [Pois de tempos em tempos um anjo do Senhor descia ao tanque e a água se punha em movimento. E o primeiro que entrasse no tanque, depois da agitação da água, ficava curado de qualquer doença que tivesse.] Estava ali um homem enfermo havia trinta e oito anos. Vendo-o deitado e sabendo que já havia muito tempo que estava enfermo, perguntou-lhe Jesus: “Queres ficar curado?” O enfermo respondeu-lhe: “Senhor não tenho ninguém que me ponha no tanque, quando a água é agitada; enquanto vou, já outro desceu antes de mim.” Ordenou-lhe Jesus: “Levanta-te, toma teu leito e anda.” No mesmo instante, aquele homem ficou curado, tomou o seu leito e foi andando. (João capítulo 5 versículos de 1:9)
Agradeço a meu pai e mãe pela minha educação, ao meu irmão, irmã e primos pelo apoio duradouro, a minha esposa pelo amor correspondido, ao João Lucas, meu filho, por ter-me ensinado o sentido da expressão amor incondicional. Agradeço também à Stephanie pelos estudos e pesquisa e a revista Vigor pela oportunidade, primeira e única, em escrever um artigo. Ao Sr. Israel, deficiente físico, portador de paralisia infantil, afirmo que permanecemos na luta. Espero que este artigo sirva para advogados e deficientes lutarem por aquilo que lhes pertencem – Justiça.
Autores:
Lutfe Mohamed Yunes é advogado em São Paulo, formado pela Pontifícia Universidade Católica – SP – PUC/SP
Stephanie Alves da Silva é estudante de direito na Universidade São Francisco.
Serviços:
Lutfe Mohamed Yunes
YUNES, GIANSANTE & PEREIRA LIMA – advogados associados
Rua do Tesouro, 23 – 11º andar – Centro
São Paulo – SP – 01013-020 – Tel.: (11) 3105.1612
www.ygpl.com.br