CAMPO GRANDE (MS),

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    16/09/2019

    Como a guerra contra criminosos pode fortalecer a cultura e a segurança pública?

    Autor: Leandro Soares*
    Interessantíssima medida proposta no Pacote Anticrime é a possibilidade da utilização, pelas polícias federal, rodoviária federal, ferroviária federal, civis, militares, bem como pelos corpos de bombeiros militares, de bens sequestrados, apreendidos ou sujeitos a qualquer medida assecuratória. Em palavras mais claras, os órgãos de segurança pública poderão utilizar os bens dos acusados e condenados para exercer suas atividades de prevenção e repressão a infrações penais, o que se daria através do acréscimo de um artigo ao Código de Processo Penal (CPP), o art. 133-A. 

    Essa ideia remonta à chamada “Guerra contra as Drogas” de Ronald Reagan, Presidente dos Estados Unidos da América eleito em 1980, o qual autorizou a utilização pelos órgãos de segurança dos bens apreendidos de narcotraficantes e malfeitores em geral. Nesse sentido: 

    [...] o governo Reagan concedeu aos órgãos estaduais e locais autoridade para se apropriar, para uso próprio e por meio de leis de confiscos, da grande maioria de valores e bens apreendidos na guerra às drogas, de modo que, repentinamente, os departamentos de polícia eram capazes de aumentar o tamanho de seus orçamentos substancialmente apenas tomando dinheiro, carros e casas de pessoas suspeitas de usar ou vender drogas; como a lei previa a possibilidade de apreender ativos de pessoas supostamente envolvidas com qualquer questão relacionada às drogas, sem que as próprias pessoas fossem processadas, culminava em uma espécie de lucro na aplicação da referida lei, pois, se tais ativos pudessem ser apreendidos dessa maneira, os órgãos estaduais e federais, bem como os departamentos de polícia, sempre teriam um interesse pecuniário na lucratividade e longevidade da guerra às drogas (ANDREOLLA, 2019). 

    É de conhecimento geral que as organizações criminosas possuem equipamentos (armas, munição, miras de longo alcance, aparelhos de comunicação, coletes à prova de balas, etc) e veículos (carros, motos, barcos e aeronaves) de ponta, ou seja, altamente tecnológicos e modernos. Em contrapartida as forças de segurança não conseguem, por restrições orçamentárias, equipar de maneira equivalente seus homens, bem como sofrem com a falta de infraestrutura e manutenção dos veículos e prédios que abrigam e servem às corporações. 

    O panorama exposto no parágrafo predecessor deixa claro que caso o art. 133-A passe a vigorar, as forças de segurança diminuirão o abismo existente entre sua infraestrutura e equipamentos e aqueles de propriedade das organizações criminosas, afinal ao mesmo tempo em que tais corporações diminuirão o patrimônio dos criminosos aumentarão o seu, trazendo mais tecnologia e recursos para o lado dos que lutam em favor da lei. 

    Tal possibilidade também incentivará os órgãos de segurança pública a trabalharem com mais afinco e efetividade, já que estes vislumbrarão a possibilidade de melhorar a própria corporação, garantindo mais segurança e melhores condições de trabalho aos seus homens, o que, logicamente, é de extrema importância ante as constantes situações de risco a que estão expostos, já que nestas qualquer mínimo detalhe pode ser a diferença entre a vida e a morte de um agente da lei. 

    No Brasil, para se ter ideia, o narcotráfico movimenta cerca de R$ 15,5 bilhões por ano, de acordo com levantamento da Consultoria Legislativa da Câmara de Deputados, realizado em agosto de 2016 (MOTTA; LAGÔA; COURA, 2017). O orçamento atualizado para a segurança pública – exemplificando a disparidade existente - é de 12,85 bilhões. As despesas, no entanto, são de 8,82 bilhões, restando, portanto, cerca de 4 bilhões para os demais investimentos (CONTROLADORIA-GERAL DA UNIÃO, 2018). 

    Supondo-se, então, que os 4 bilhões de reais restantes para a segurança realmente fossem integralmente destinados a seu fim – o que, sabe-se, não ocorre devido ao quadro dramático de corrupção existente no país – ainda assim seriam insuficientes para fazer frente aos 15,5 bilhões de reais movimentados pelo narcotráfico. 

    O panorama de disparidade entre forças legais e ilegais exposto corrobora a importâncias das medidas tratadas no presente texto para aumento da segurança pública, efetividade das operações e criação de infraestrutura adequada para o exercício das atividades concernentes aos órgãos de segurança pública brasileiros, já que se objetiva a transferência de patrimônio de um lado ao outro desta guerra. 

    As apreensões não serão voltadas unicamente para fins bélicos e orçamentários das forças de segurança, já que existe no Pacote Anticrime disposição no sentido de favorecer o incentivo à cultura através do perdimento de bens de criminosos, pois há proposta no sentido de incluir o art. 124-A ao CPP, o qual determinaria que caso haja a decretação do perdimento de obras de arte ou quaisquer outros bens de relevante valor cultural ou artístico os mesmos seriam destinados a museus públicos, desde que, obviamente, tais bens não pertencessem a vítima determinada ou à administração pública, caso em que serão, naturalmente, restituídos às mesmas. 

    Em síntese e como desfecho deste artigo, pode-se dizer que, caso tais medidas entrem em vigor, a guerra contra os criminosos poderá ganhar novos contornos e consequências, através do fortalecimento do patrimônio das forças de segurança e do incentivo à cultura, duas áreas nas quais, notoriamente, são necessários investimentos consideráveis para a obtenção de um patamar adequado. 

    REFERÊNCIAS 

    ANDREOLLA, Andrey Henrique. O uso do bem apreendido e a lógica empresarial na polícia. Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim). Boletim nº 317 - Abril/2019. Disponível em: https://www.ibccrim.org.br/boletim_artigo/6325-O-uso-do-bem-apreendido-e-a-logica-empresarial-na-policia. Acesso em: 04 set. 2019. 

    CONTROLADORIA-GERAL DA UNIÃO. Portal da transparência. Segurança Pública. Disponível em:. Acesso em: 07 ago. 2019. 

    MOTTA; LAGÔA; COURA. Narcotráfico no Brasil movimenta R$ 15,5 bilhões por ano; cifra é o pivô de massacres. In: Hoje em dia. Disponível em:https://www.hojeemdia.com.br/primeiro-plano/narcotr%C3%A1fico-no-brasil-movimenta-r-15-5-bilh%C3%B5es-por-ano-cifra-%C3%A9-o-piv%C3%B4-de-massacres-1.438397. Acesso em: 07 ago. 2019.

    *Advogado



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