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    14/06/2017

    ARTIGO| A reforma trabalhista sob um novo prisma

    Por: MAURICIO DE FIGUEIREDO CORRÊA DA VEIGA*
    O Brasil precisa voltar a crescer e a flexibilização das leis trabalhistas é um dos aspectos que podem contribuir para este crescimento. O problema é que na ânsia de aprovar uma reforma trabalhista em tempo recorde, sem um amplo debate com a sociedade, o Governo acabou metendo os pés pelas mãos.

    No dia 26 de abril, a Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei 6.787/2016, que trata da reforma trabalhista e altera mais de uma centena de artigos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). É bem verdade que a reforma proposta deveria ser precedida de um debate mais amplo com participação de vários segmentos da sociedade e não apenas as poucas audiências públicas que foram realizadas.

    De igual sorte, alguns pontos da reforma merecem críticas, como, por exemplo, as alterações que tratam do direito processual e que não deveriam estar no projeto de lei.

    Contudo, as inúmeras especulações em torno da alteração legislativa e críticas em torno do projeto de lei estão sendo transmitidas de modo a confundir o cidadão. Infelizmente a questão está sendo tratada de forma ideológica, quando deveria ser apreciada sem paixões políticas e como uma possibilidade de se reduzir o desemprego (que de acordo com as últimas pesquisas se aproxima dos 14 milhões de habitantes) e acelerar a economia.

    A necessidade de uma reforma é medida que se impõe! É bem verdade que o ideal seria uma reforma sindical que antecedesse a reforma trabalhista, mas isso tem sido falado há décadas e até hoje não aconteceu. Portanto, que a reforma trabalhista sirva de inspiração para uma alteração na estrutura sindical brasileira.

    Isso porque, a nova previsão legal (que ainda precisa ser aprovada pelo Senado Federal), estabelece uma enorme responsabilidade aos sindicatos, na medida em que os acordos e convenções por eles firmados terão força de lei e não mais poderão ser desconstituídas pela Justiça do Trabalho, o que vinha ocorrendo com enorme frequência, gerando uma total e absoluta falta de segurança, fazendo com o que o Supremo Tribunal Federal tivesse que frear a postura do judiciário trabalhista.

    Contudo, é importante frisar que a negociação coletiva encontra limites objetivos impostos pela própria lei, como, por exemplo a necessidade de se demonstrar contrapartida quando se tratar de negociação de jornada e salário, bem como a proteção à segurança e saúde do trabalhador que em hipótese alguma podem ser alvo de negociação.

    Dessa forma, são destacados alguns pontos da reforma. À saber: 

    1. Quando restar demonstrado o grupo econômico as empresas responderão de forma solidária pelos créditos trabalhistas. Porém, a mera identidade de sócios não é suficiente para caracterizar o grupo econômico, devendo haver prova do interesse integrado, da comunhão de interesses e a atuação conjunta das empresas integrantes do grupo. Atualmente, um mero indício pode ser suficiente para caracterizar o grupo econômico.

    2. O sócio retirante da empresa passa a contar com critérios objetivos de sua responsabilidade. Atualmente, o fato de ter sido sócio de uma empresa pode fazer com que o ex-sócio tenha uma responsabilidade ad eternum por débitos que sequer foram contraídos durante o período em que esteve na empresa. 

    3. O tempo de deslocamento do empregado entre a sua residência e o local de trabalho não será considerado tempo à disposição. Atualmente, quando o empregador tenta ajudar o empregado fornecendo transporte privado em localidade não servida de transporte público é condenado ao pagamento de horas in itinere.

    4. Não será considerado tempo à disposição do empregador a iniciativa do empregado de buscar proteção pessoal em vias públicas por motivo de segurança ou condições climáticas e permanecer no estabelecimento do empregador para exercer atividades particulares. A segurança pública é um dever do Estado e não pode ser transferido para o empregador.

    5. O trabalho intermitente vai tirar da informalidade vários desempregados, possibilitando, inclusive, maior geração de empregos (haverá contratação sob demanda, com direitos trabalhistas assegurados);

    6. A reforma não suprimirá direitos, apenas permitirá que haja negociação;

    7. Os sindicatos sairão fortalecidos com a reforma, na medida em que as negociações coletivas terão força de lei quando se tratar de parcelamento de férias em até 3 vezes; jornada de trabalho (com limite semanal); participação nos lucros; horas in itinere; intervalo intrajornada (30 minutos, no mínimo); prorrogação de vigência do instrumento coletivo; PCS; regulamento empresarial; banco de horas; trabalho remoto; remuneração por produtividade; registro de jornada de trabalho;

    8. A análise dos acordos e convenções coletivas de trabalho feita pela Justiça do Trabalho se limitará aos requisitos da legalidade do negócio jurídico.

    9. O trabalhador terá mais responsabilidade e maturidade na hora de escolher os representantes de sua categoria, tendo em vista que as decisões dos sindicatos terão força de lei em relação aos objetos acima mencionados. Atualmente, ações individuais questionavam determinadas cláusulas do acordo ou convenção e o Poder Judiciário é que decidia se tal cláusula era benéfica ou não, tratando o sindicato como hipossuficiente;

    10. O Brasil é um país continental. Logo, o que pode ser benéfico para uma gama de trabalhadores pode ser prejudicial para outra. Por exemplo: o trabalhador que lida com o gado no inverno gaúcho pode preferir ter apenas 30 minutos de intervalo intrajornada e sair 30 minutos mais cedo (até porque se ele demorar para almoçar o seu alimento pode congelar). Em outro Estado, pode ser que 45 minutos sejam suficientes e em outro uma hora. Atualmente a regra é linear, ou seja, todos os empregados têm que gozar de 1 hora de intervalo. A partir da reforma, quem decidirá isso será o sindicato da categoria e o empregador não correrá o risco de pagar a "hora cheia", mesmo depois de celebrar o acordo com o sindicato (o que acontece hoje, gerando riscos e incertezas);

    11. Porém, as alterações via negociação coletiva não são ilimitadas, pois está proibida a alteração de normas que versem sobre segurança e medicina do trabalho;

    12. E mais, quando o salário e a jornada de trabalho forem negociados via norma coletiva, deverá ser explicitada qual será a vantagem compensatória concedida (contrapartida);

    13. O contrato de trabalho temporário passará a contar garantias que antes não eram previstas em lei;

    14. A compensação de jornada passará a ser disciplinada no texto legal, bem como o funcionamento do banco de horas e previsão de jornada 12 X 36 horas;

    15. O teletrabalho passa a ser reconhecido e disciplinado no texto legal;

    16. A reparação do dano extrapatrimonial passa a ser regulada pelos artigos 223-A e seguintes, com requisitos objetivos para a configuração do dano e critérios de cálculo. Atualmente, a perda de um membro pode gerar o mesmo valor de um xingamento;

    17. A empregada gestante e lactante poderá trabalhar em atividades insalubres, de grau médio ou mínimo, quando apresentar atestado emitido por médico de sua confiança;

    18. O empregador poderá incluir no uniforme a sua logomarca e a de parceiros. Atualmente, a utilização de uniformes com logomarcas, sem a anuência do empregado, pode acarretar, ao empregador, condenação em indenização por dano moral em valor médio de R$ 10.000,00; 

    19. A ajuda de custo, auxílio alimentação (desde que não seja pago em dinheiro), diárias para viagens, prêmios e abonos não têm natureza salarial, não incidindo encargos trabalhistas e previdenciários;

    20. A equiparação salarial será devida quando, observados os critérios objetivos, o trabalho for prestado para o mesmo empregador e no mesmo estabelecimento e entre pessoas cuja a diferença de tempo de serviço para o mesmo empregador não seja superior a 4 anos e a diferença de tempo na função não seja superior a 2 anos;

    21. A demissão “simulada” passa a ser coibida evitando prejuízos e fraudes ao programa de seguro-desemprego. Atualmente, em alguns casos, mediante acordo fraudulento, patrão e empregado simulam a dispensa: o empregado “pede” para ser demitido e o empregador recebe de volta a multa de 40% do FGTS e o empregado se habilita no seguro-desemprego. Com a nova previsão, fica estabelecido um acordo de se receber pela metade o aviso prévio e a multa de 40%, sem o ingresso do empregado no programa do seguro-desemprego; 

    22. As Súmulas de Jurisprudência dos Tribunais deverão respeitar os preceitos legais existentes, pois não poderão restringir direitos previstos lei e nem criar obrigações que não estejam assegurados em lei; 

    23. A concessão da justiça gratuita passa a contar com critério objetivo e passa a ser devido para a aqueles que perceberem salário igual ou inferior a 40% do limite máximo dos benefícios do Regime Geral da Previdência Social, sendo que os honorários periciais serão pagos pela parte sucumbente ao objeto da perícia, mesmo que beneficiária da justiça gratuita;

    24. Ficam assegurados honorários de sucumbência que serão fixados, mediante critérios objetivos, no patamar de 5 a 15%, autorizado o arbitramento de honorários de sucumbência recíproca na hipótese procedência parcial da ação;

    25. Eventuais créditos obtidos em outro processo, farão com que o beneficiário da justiça gratuita tenha que honrar com o débito (tanto de honorários periciais quanto os honorários advocatícios). Entretanto, na ausência de outros créditos, as obrigações decorrentes de sua sucumbência ficarão sob condição suspensiva de exigibilidade, podendo ser executadas no prazo de 2 anos do trânsito em julgado da decisão;

    26. A aptidão para a produção da prova passa a ser contemplada no novo texto legal;

    27. Fica extinta a exigência de o preposto ser empregado da reclamada, bastando que tenha conhecimento dos fatos. Atualmente as micro e pequenas empresas e os empregadores domésticos estavam dispensados dessa exigência, por força da Súmula n.º 377 do TST;

    28. A homologação da rescisão será feita pelo empregado e pelo empregador. Caso o empregado discordo dos termos e/ou valores, poderá procurar o seu advogado ou sindicato da categoria;

    29. A contribuição sindical anual deixa de ser obrigatória e passa a ser devida pelo empregado que autorizar o seu desconto; 

    30. A transcendência passa a ser regulamentada, devendo o advogado, na interposição do recurso de revista demonstrar a relevância econômica (valor da causa), política (desrespeito às Súmulas), social (direito de ordem social postulado pelo recorrente) e jurídica (existência de questão nova em torno da interpretação da legislação trabalhista);

    31. Fica assegurada a sustentação oral, mesmo que em agravo interno, quando o relator denegar seguimento ao recurso em razão da ausência de transcendência.

    32. A prescrição passa a ser explicitada no texto legal. Atualmente, algumas regras estão disciplinadas nas Súmulas 294, 326 e 327 do TST e nas Orientações Jurisprudenciais n.º 175 do TST. Além disso, passa a ser reconhecida a prescrição intercorrente no processo do trabalho, no prazo de dois anos, devendo ser ressaltado que essa previsão já era reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal desde 13/12/1963, data da edição da Súmula 327 daquela Corte (devendo ser ressaltado que o primeiro precedente data de 1951, de autoria do Ministro Luiz Gallotti, que afirmou nos autos do AI 14.744-DF, que a invocação do princípio protetório do Direito do Trabalho para afastar a prescrição intercorrente era digno de apreciação, mas que não estava assegurado em preceito de lei).

    Por mais que a atual conjuntura política não seja a ideal para se fazer uma reforma tão profunda, o fato é que o tempo foi passando enquanto que as relações de trabalho foram se aprimorando. Qualquer reforma trabalhista é antipática e desperta os sentimentos mais variados. É fundamental que a informação seja passada de maneira completa, cabendo ao tempo dizer se as alterações foram acertadas ou não.

    Espero que os prognósticos se concretizem e que no futuro a presente reforma assegure o pleno emprego, ao fortalecimento da Justiça do Trabalho e o aquecimento da economia.

    Sobre o autor:

    MAURICIO DE FIGUEIREDO CORRÊA DA VEIGA - Advogado, Doutorando em Ciências Jurídicas pela Universidade Autónoma de Lisboa, formado pela Universidade Católica de Petrópolis; Pós-Graduado em Direito e Processo do Trabalho pela UCAM-RJ; Membro da Academia Brasiliense de Direito do Trabalho; Membro do IAB e da Comissão permanente de Direito do Trabalho daquele Instituto; Conselheiro da OAB/DF; Sócio do escritório Corrêa da Veiga Advogados.
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