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    17/10/2016

    Opinião | Morre Bhumibol Adulyadej, Monarca da Tailândia

     Sofrendo terríveis problemas de saúde, desde 2006 o rei Bhumibol Adulyadej passou frequentes períodos hospitalizado.

    Morreu quinta-feira, dia 13 de outubro, aos 88 anos, Bhumibol Adulyadej, monarca da Tailândia. Com um reinado que começou a 9 de junho de 1946, Adulyadej foi o líder de estado a exercer o mais longo mandato na história política contemporânea, sendo também o monarca de mais longo reinado na história tailandesa. Não obstante, em função de uma atribulada história que testemunhou a eclosão de diversos conflitos pelo poder e inúmeros golpes de estado, há muito tempo Adulyadej exercia uma liderança política de aparência e oportunidade, muito mais emblemática e simbólica do que prática e factual. Desde maio de 2014, a Tailândia é governada de fato por uma junta militar, que detém o poder real sobre todos os aspectos da nação, e, em virtude disto, os poderes monárquicos de Adulyadej eram quase que completamente cerimoniais. Ao que parece, tendo apoiado diversas ditaduras militares ao longo dos seus setenta anos como monarca, Adulyadej aparentemente usufruía de um relacionamento próximo com a elite militar. Críticas contundentes e contumazes de observadores políticos internacionais constantemente faziam referência ao fato de Adulyadej ser um governante fraco, que rapidamente se aliava e apoiava quem detinha real controle sobre a nação, possivelmente motivado pelo medo de ser subjugado, e perder sua posição como rei da Tailândia. Não obstante, ele dificilmente confrontava os verdadeiros líderes políticos do país, parecendo sempre mais preocupado em manter sua posição, seus privilégios e as aparências, do que realmente priorizar o bem-estar da população. 
    Bhumibol Adulyadej serviu como rei da Tailândia por setenta anos,
    quatro meses e seis dias, tendo sido o monarca a exercer o mais
    longo mandato na história tailandesa.

    Apesar de suas flagrantes deficiências, e de um caráter condescendente demais para alguém que ocupa uma posição governamental, Adulyadej era popular entre os tailandeses, e uma figura de liderança carismática. Em torno dele se desenvolveu um significativo culto de personalidade, com boa parte da população tailandesa vendo-o como um homem divino, ou próximo a isso. Frequentemente listado entre os homens mais ricos do mundo, sua fortuna foi estimada pela Forbes, em diversos anos consecutivos, em trinta bilhões de dólares. Não obstante, convém mencionar que os padrões ocidentais responsáveis por mesurar riquezas não levam em consideração determinados fatores inerentes à política administrativa tailandesa. Em determinadas ocasiões, Adulyadej afirmou ser um homem que não possuía absolutamente nada, e essa afirmação em si, ao menos até certo ponto, pode ser considerada verdadeira. A maior parte desta fortuna – senão toda ela – é administrada por um órgão denominado Escritório de Propriedades da Coroa, uma instituição que administra os bens da monarquia, e que é regulada de forma relativamente complexa, não podendo ser categorizada como uma instituição pública, nem governamental, tampouco privada. Para todos os efeitos, como monarca, Bhumibol Adulyadej pode ser considerado um indivíduo extremamente rico, mas enquanto indivíduo, ele não possui fortuna nenhuma. 

    Nascido nos Estados Unidos em dezembro de 1927, enquanto seu pai fazia um curso em Harvard, Bhumibol Adulyadej ascendeu ao poder em circunstâncias tão misteriosas quanto bizarras, que ocorreram quando seu irmão, o monarca em exercício Ananda Mahidol, foi misteriosamente assassinado. Um comitê investigativo concluiu que o rei acidentalmente atirou em si mesmo. Uma outra investigação, realizada posteriormente, descartou esta possibilidade. Dois serviçais palacianos foram injustamente acusados e executados. Uma terceira hipótese, que colocava a culpa em Bhumibol Adulyadej, nunca foi seriamente considerada. Não obstante, uma investigação oficial realizada por agentes britânicos confirmou que Adulyadej foi a última pessoa a vê-lo com vida. 
    Adulyadej assumiu muito jovem a função de monarca, em 1946,
     quando tinha apenas 18 anos. 

    Ao assumir as funções de monarca, Adulyadej foi ganhando experiência. Não obstante, desde muito cedo, o rei aprendeu que, como vivia em uma monarquia parlamentar, e não absoluta, seu papel era muito mais simbólico e representativo do que determinante e governamental. Não obstante, Adulyadej se envolveu em diversas reformas sociais pelo país, desempenhando um papel relativo como um benfeitor de iniciativa. 

    Com diversas ditaduras ao longo da história que se posicionaram de fato no poder, detendo o controle completo sobre a nação, o papel da monarquia flutuou muito, indo de relativamente funcional a figurativo, e de prático a absolutamente irrelevante, dependendo da época, de quem exercia o real controle governamental, e como quem estava no poder se valia das influências monárquicas, a fim de usar o rei como um fantoche para atingir objetivos escusos, como ganhar popularidade, ou simpatia da elite social. 

    Não obstante, turbulências e revoluções políticas que levassem a uma eventual supressão da monarquia pareciam ser os maiores temores de Bhumibol Adulyadej. Por essa razão, receoso de uma revolução comunista, temendo igualmente que as inquietações políticas nos países vizinhos estimulassem a população a pegar em armar, lutar e se insurgir contra o governo, Adulyadej deflagrou e apoiou o histórico massacre aos estudantes da Universidade de Thammasat, em Bangkok, em 6 de outubro de 1976, que reuniram-se para protestar contra o perdão concedido por ele ao ditador militar Thanom Kittikachorn, e seu subsequente retorno ao país. A caótica conflagração que se seguiu ao massacre foi seguida, como não poderia deixar de ser, por mais um golpe militar, que, como de hábito, foi apoiado por Adulyadej, por essa época acostumado a mover-se de acordo com o balanço das instabilidades políticas do país, e a ficar sempre do lado de quem se mostrava mais forte. 

    Com diversos partidos militares constantemente disputando o poder, Adulyadej percebeu que, sem implantar um sistema invariavelmente democrático, a Tailândia continuaria indefinidamente emperrada em um patamar de imutável instabilidade política, sofrendo intermitentes e constantes golpes militares, um após o outro. Desta maneira, uma tentativa de conciliar os indivíduos no poder com a oposição, e tentar atingir uma relativa estabilidade política foi hipoteticamente inserida na pauta de uma frustrada reunião, que ocorreu a 20 de maio de 1992. Apesar dos esforços, o flagrante fracasso desta tentativa de se consolidar a paz terminou com protestos e tumultos sendo deflagrados na capital, que escalaram com a intervenção da polícia e do exército, resultando em inúmeras mortes. 

    Ao que tudo indica, Bhumibol Adulyadej foi uma figura política que nunca conseguiu ser muito mais do que um monarca figurativo. Mesmo quanto tentava intervir em períodos de crise, e conciliar partes divergentes, suas fraquezas e sua falta de posicionamento politico, moral e ético acabavam levando-o invariavelmente a associar-se aos indivíduos que lhe ofereciam a manutenção de sua auspiciosa posição monárquica, prometendo não subvertê-la, contando que ele fosse condescendente com quem detinha o real poder sobre a nação, não levando em consideração o caos da situação política e social do país. Jamais tendo sido capaz de instaurar uma verdadeira democracia em território tailandês, a epidemia de ditaduras militares ocupando o poder, uma após a outra, através de sucessivos golpes, continuou inadvertidamente. E, ao que tudo indica, irá continuar exatamente assim. 
    Centenas de milhares de Tailandeses foram às ruas, prestar suas últimas homenagens ao falecido 
    monarca. 

    Com uma história de constantes conflagrações e turbulências políticas, que a colocam como o país na história que mais sofreu golpes de estado no mundo – apesar de possuir, ao menos teoricamente, um sistema de governo estabelecido, a monarquia – a Tailândia é um país marcado por governos efêmeros e instáveis, que além de completamente hostis a quem deveria realmente governar, mostram-se indiferentes às reais necessidades da população. Podemos ter certeza que, com a morte de Bhumibol Adulyadej – que será sucedido por seu filho, Maha Vajiralongkorn, de 64 anos –, nada irá mudar. Neste mundo, no qual governantes vem e vão, a grande maioria simplesmente passa pela vida, esquecendo-se de exercer os maiores privilégios que um governante poderia almejar: mudar a vida das pessoas, auxiliá-las e servi-las. Na irredutível e irracional luta pelo poder, brutalizar, escravizar, ordenar e controlar, a todo e qualquer custo, infelizmente acabou suprimindo e suplantando todos os reais princípios que estão por trás da existência de um verdadeiro governo.