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    15/02/2016

    Sardanapalo em Bishkek – A inigualável capacidade do organizado e combativo povo quirguiz em selecionar e depor seus governantes

    Bishkek, Quirguistão
    Bishkek é uma cidade da Ásia Central com uma população de aproximadamente 940.000 pessoas, que serve como capital do Quirguistão, nação que, até conquistar sua independência, em 25 de dezembro de 1991, era parte constituinte da União Soviética, sendo então conhecida como República Socialista Soviética Quirguiz. Depois que conquistou sua autonomia, passou a ser conhecida como Quirguízia, até adotar a nomenclatura atual de Quirguistão. Com características peculiares que a distinguem das demais nações que outrora compunham a extinta União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, o Quirguistão, em anos recentes, foi capaz de viabilizar uma estrutura política de enorme transparência, o que favoreceu a consolidação de um sistema mais baseado em modelos ocidentais. Não obstante, o mais curioso é que tendo inicialmente se encaminhado para tornar-se apenas mais um país completamente alicerçado no modelo socialista, como os demais países vizinhos, o Quirguistão foi capaz de romper o padrão ao derrubar o presidente Askar Akayev, que permaneceu quinze anos no poder, sendo subjugado pelo movimento revolucionário popular que ficou conhecido como Revolução da Tulipa. Dessa maneira, o Quirguistão se transformou em uma nação promissora, deixando de ser apenas mais uma ditadura brutal com fachada democrática. Ao contrário da Bielorrússia, que desde 1994 é governada pelo mesmo presidente, Alexander Lukashenko, do Uzbequistão, que desde 1991 é governado pelo presidente Islam Karimov, e do Cazaquistão, que desde 1991 é governado pelo presidente Nursultan Nazarbayev, o Quirguistão atualmente está em seu quarto presidente, Almazbek Atambayev, que assumiu a presidência em dezembro de 2011. 
    Askar Akayev, presidente deposto em 2005
    Com a decadência do modelo socialista, e o eventual colapso da União Soviética, oligarquias e sistemas alicerçados no modelo de partido único invariavelmente se reestruturaram nas nações que foram criadas com o irreversível declínio do bloco socialista, e a grande maioria dos países criados a partir das cinzas da URSS consolidaram estruturas de poder similares aos ditames totalitários que, por décadas, haviam sido ostensivamente comuns na região. Por diversas questões relacionadas à estrutura governamental, e aos fortes aparatos de opressão política que o estado tem à sua disposição, a população dos países citados acima nunca criou movimentos capazes de mitigar ou dissolver a brutalidade dos regimes ditatoriais que já ocupam o poder por duas décadas e meia. Analisando dessa forma, é no mínimo interessante que o Quirguistão tenha sido capaz de romper o padrão, e tomar um rumo político mais vulnerável a transformações sociais. O que é, no mínimo, intrigante, quando percebemos o quão profundamente arraigado à mentalidade governamental está o pérfido estigma do totalitarismo socialista. 

    Assumindo a presidência do Quirguistão em 27 de outubro de 1990, Askar Akayevich Akayev, nascido a 10 de novembro de 1944 na República Socialista Soviética Quirguiz, nos seus últimos dias como presidente, governava uma nação insatisfeita, conturbada e inquieta, que exigia sua renúncia, e saída imediata do poder. A Revolução da Tulipa, movimento social de cunho político que tinha por objetivo afastar do poder o referido presidente e execrar completamente todos os seus associados, ocorreu entre março e abril de 2005. E todos os seus objetivos foram conquistados com infatigável êxito, o que dificilmente teria acontecido se tal revolução tivesse ocorrido nos países vizinhos.
    Almazbek Atambayev, presidente do Quirguistão desde 2011
    A Revolução da Tulipa, surpreendentemente, consolidou-se como uma revolução pacífica, apesar de ter testemunhado episódios esporádicos de violência. Quando sua queda mostrou-se iminente, Askar Akayev, juntamente com sua família, fugiu para o Cazaquistão, e depois para a Rússia, onde assinou, na embaixada do Quirguistão, em Moscou, sua renúncia, no dia 4 de abril de 2005, diante de uma delegação de parlamentares quirguizes, que, uma semana depois, validaram sua renúncia como presidente do Quirguistão. 

    Como um Sardanapalo moderno – que foi, de acordo com alguns historiadores, o último rei da Assíria –, Askar Akayev pretendia se perpetuar no poder, e governar o Quirguistão como um feudo particular, para usufruto pessoal seu, de sua família, e de seus associados, influenciando, e sendo influenciado, pelo comportamento similar dos países vizinhos, todos compartilhando do mesmo sistema de governo totalitário unilateral de partido único, que vem a ser uma sórdida herança governamental do modelo socialista. Temendo que a Revolução da Tulipa pudesse disseminar uma péssima influência em seus territórios, países como o Uzbequistão, o Tadjiquistão e o Turcomenistão intensificaram seus aparatos de repressão política, com a intenção de impedir todo e qualquer movimento de cunho popular que pudesse subverter ou subjugar o poder estabelecido. De maneira que a Revolução da Tulipa permanece sendo um movimento muito singular na história política da região.

    Como se uma grande rebelião popular fosse pouco, cinco anos depois os quirguizes foram capazes de derrubar o seu segundo presidente, Kurmanbek Bakiyev, durante a revolução que se tornou conhecida como Levante de Abril, obrigando-o a buscar asilo político na Bielorrússia. Seu governo precário e insatisfatório mais uma vez levou a população quirguiz a se unir, lutar por objetivos comuns, e buscar a consolidação de uma administração política mais justa, igualitária, funcional e correta. Demonstrando uma capacidade de interagir com o governo e de insuflar rebeliões populares incomuns com uma busca por resultados factuais, incapazes de serem realizadas na mesma proporção e com os mesmos resultados nos países vizinhos, o povo quirguiz tem demonstrado uma inigualável capacidade de lutar por seus direitos, e de derrubar dirigentes governamentais incapazes, corruptos e indiferentes, mostrando que estão, até certo ponto, no controle de seu futuro, e estabelecendo os padrões para a nação em que desejam viver. Sua capacidade de se unir por uma causa comum, buscar resultados e lutar pelo controle de seu país é, sem dúvida nenhuma, no mínimo muito desejável, e extremamente invejável. 

    Até o presente momento, o atual presidente, Almazbek Atambayev parece estar sendo capaz de atender às expectativas da população quirguiz que o elegeu presidente. Membro do Partido Democrático Social Quiguiz, com uma forte e ascendente mentalidade pró-russa, a nação certamente vê em seu atual presidente um homem de estado razoável e ponderado, que têm por obrigação primária zelar e lutar pelo bem estar social dos seus. Afinal, de uma forma ou de outra, tentar ser um próximo Sardanapalo, improdutivo, apático e autoritário, que não buscar servir a população, mas ser servido por ela, definitivamente não é uma opção, no caso de um país proativo, de população engajada, e plenamente funcional como o Quirguistão. Ao menos se o atual presidente deseja, de fato, permanecer no poder. Do contrário, a população quiguiz se levantará novamente, e exigirá o que é seu, por direito. O povo quirguiz é, de fato, um povo que luta pelo controle de seu futuro e de seu destino, jamais permitindo que governantes nefastos ou corruptos se apoderem da nação por muito tempo. Com certeza, um grande exemplo a ser seguido.