CAMPO GRANDE (MS),

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    12/09/2016

    Cármen Lúcia assume presidência do Supremo para mandato de dois anos

    Ministra é a segunda mulher a comandar a mais alta corte do país. Ela quebrou protocolo e cumprimentou 'cidadão brasileiro' antes de Temer.

    ministra Cármen Lúcia - Reprodução

    Em uma cerimônia que reuniu as maiores autoridades do país, a ministra Cármen Lúcia tomou posse na tarde desta segunda-feira (12) no cargo de presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) no lugar do ministro Ricardo Lewandowski. Durante o mandato de 2 anos, a magistrada acumulará a chefia da mais alta Corte do país com a presidência do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), órgão de controle do Judiciário.

    Na mesma solenidade, o ministro Dias Toffoli foi empossado por Cármen Lúcia no posto de vice-presidente do Supremo. Ele deverá suceder Cármen Lúcia no comando da Corte em 2018.

    Natural de Montes Claros (MG), Cármen Lúcia, 62 anos, é a segunda mulher a presidir o STF. Ela foi indicada para a Suprema Corte, em 2006, pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. À época, o tribunal era comandado pela ministra aposentada Ellen Gracie.

    Formada em direito, em 1977, pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUCMG), a nova presidente do STF começou a carreira jurídica como advogada, mas, antes de chegar ao Supremo, foi procuradora do estado de Minas.

    A troca de comando na chefia do STF atraiu políticos, magistrados, ministros aposentados do Supremo, integrantes do Ministério Público e artistas. Ao todo, foram convidadas cerca de 2 mil pessoas para a cerimônia.

    Entre os convidados que compareceram à solenidade estão o presidente da República, Michel Temer, os presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), e da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), além dos ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e José Sarney (PMDB).

    O cantor e compositor Caetano Velloso cantou e tocou o Hino Nacional no violão. Outras celebridades, como o ator e diretor Miguel Falabella, também foram prestigiar a posse da magistrada mineira.

    'Cidadão brasileiro'

    Em seu primeiro discurso como presidente do STF, Cármen Lúcia afirmou, ao iniciar sua fala, que quebraria o protocolo e, em vez de cumprimentar em primeiro lugar o presidente da República, Michel Temer, cumprimentaria o cidadão, a quem chamou de “autoridade suprema de todos nós servidores públicos”.

    "Não tenho notícia de um ser humano que não aspire à Justiça", destacou a magistrada. "Há de ser reconhecer que o cidadão não há de estar satisfeito hoje com o Poder Judiciário", completou.

    "Minha responsabilidade é fazer acontecer as soluções. O Judiciário brasileiro reclama mudanças. Estamos fazendo mudanças e é preciso que elas continuem e cada vez com mais pressa" Cármen Lúcia, nova presidente do STF

    Em vários momentos do discurso, Cármen Lúcia chamou a atenção para a necessidade de se melhorar o atendimento no Judiciário.

    "Não há prévia nem permanente definição para o justo, mas há o crédulo da justiça sem pré-definição, necessário apenas para acreditarmos não ser possível viver sem justiça. É o juiz o depositário dessa fé, garantidor da satisfação, desse sentimento", enfatizou.

    Para a ministra, a obrigação dos magistrados é "entregar ao cidadão brasileiro o seu direito".

    "O que no Judiciário não deu certo há de se mudar para se fazer na forma constitucionalmente prevista. Mas não vou continuar apontando problemas. Minha responsabilidade é fazer acontecer as soluções. O Judiciário brasileiro reclama mudanças. Estamos fazendo mudanças e é preciso que elas continuem e cada vez com mais pressa", discursou.

    Discurso do decano

    Magistrado mais antigo do STF, o ministro Celso de Mello, representando os demais colegas do tribunal, foi o primeiro a discursar na cerimônia (veja o vídeo acima). O decano da Suprema Corte destacou em sua fala a importância para as instituições brasileiras da ascensão de Cármen Lúcia à presidência do Supremo.

    "Se consolidou uma clara e irreversível transição para um modelo social que repudia a discriminação de gênero, ao mesmo que confere primazia à prática republicana da igualdade, pela consagração do talento, competência e conhecimento, atributo que qualificam de modo inquestionável vossa excelência. [...] Não creio que palavras possam descrever o que esse momento histórico representa para a história do país e para a história das mulheres brasileiras”, declarou o decano.
    "O direito ao governo honesto constitui uma insuprimível prerrogativa da própria cidadania" Celso de Mello, ministro mais antigo do STF
    Após destacar a relevância da ascensão de Cármen Lúcia ao comando do Judiciário, Celso de Mello fez, sob os olhares de políticos investigados pela Operação Lava Jato, um duro discurso contra a corrupção. Entre os convidados, Renan Calheiros, Lula e o senador Edison Lobão (PMDB-MA).

    "O direito ao governo honesto constitui uma insuprimível prerrogativa da própria cidadania. E que, deste tribunal, senhora ministra presidente, parta a advertência severa e impessoal de que aqueles que transgredirem tais mandamentos expor-se-ão sem prejuízo de outros tipos de responsabilização, não importando a sua posição estamental, se patrícios ou se plebeus [...] devendo ser punidos exemplarmente na forma da lei esses infiéis da causa pública, esses indignos do poder"", discursou Celso de Mello.

    Janot

    Ao discursar na cerimônia em nome do Ministério Público, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, criticou, sem citar nomes, o que ele chamou de tentativas de tentar manchar as investigações da Lava Jato. Segundo ele, há um "trabalho desonesto" contra investigadores e juízes.

    O procurador-geral defendeu a atuação do Ministério Público nas investigações do esquema de corrupção que atuava na Petrobras e defendeu a aprovação no Congresso Nacional do pacote de 10 medidas que têm como objetivo aumentar o rigor no combate à corrupção.

    "Tem-se observado diuturnamente um trabalho desonesto de desconstrução da imagem de investigadores e de juízes. Atos midiáticos buscam ainda conspurcar o trabalho sério e isento desenvolvido nas investigações da Lava Jato", disse Janot.

    Janot também ressaltou que a Lava Jato deixou ao país a escolha entre duas opções: a primeira, seguida pela Itália, levou a "mais corrupção, estabilidade política e crônica debilidade econômica".

    "A segunda, mais auspiciosa, revela-se em um movimento virtuoso de tomada de consciência da sociedade e de autodepuração do próprio sistema político-jurídico, na busca verdadeira de um novo arranjo democrático, que repila a corrupção e a impunidade na forma de fazer política", observou o procurador-geral, defendendo a aprovação das medidas propostas pelo Ministério Público Federal para combater a corrupção.

    Atribuições

    Como presidente do STF, caberá a Cármen Lúcia elaborar a pauta semanal de julgamentos do plenário, formado pelos 11 ministros da Corte. Com isso, ela deixa a Segunda Turma e dá lugar a Lewandowski.

    O colegiado, formado por cinco ministros, analisa, entre outros casos, a maioria dos processos de políticos investigados na Operação Lava Jato.

    No CNJ, Cármen Lúcia já anunciou que fará uma gestão voltada para a situação de mulheres presas, como tentativa de melhorar a situação de vida delas. No STF, tende a priorizar ações de impacto social -- o sinal foi dado na pauta da primeira semana, voltada a ações trabalhistas e que envolvem direito à educação, saúde e proteção à família.

    Perfil

    Nascida em 19 de abril de 1954, Cármen Lúcia Antunes Rocha viveu a infância em Espinosa, cidade de 32 mil habitantes localizada no extremo norte de Minas, quase na divisa com Bahia.

    Tem duas irmãs e três irmãos. Aos 10 anos, mudou-se para Belo Horizonte para estudar num internato de freiras. Professa a religião católica e nunca se casou nem teve filhos.

    Cármen Lúcia é mestre em direito constitucional pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e especialista em direito empresarial pela Fundação Dom Cabral. Ela é autora de sete livros focados, sobretudo, em direito de Estado e administração pública.



    Do G1, em Brasília
    Por: Renan Ramalho, Laís Lis e Gustavo Garcia