CAMPO GRANDE (MS),

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    30/01/2017

    OPINIÃO| Bandido bom é bandido morto

    Rebelião em Manaus deflagrou a crise do sistema prisional brasileiro de 2017
    As recentes rebeliões prisionais em diversas regiões do país – bem como suas inevitáveis resoluções – inflamaram novamente os debates acerca da importância de um sistema carcerário mais íntegro e coeso, a fim de atender a todas as exigências dos detentos, e coibir este tipo de acontecimento. O debate igualmente endereçou a inerente questão da necessidade dos direitos sociais e humanos para os encarcerados, para garantir direitos a indivíduos que, na concepção de uma sociedade plenamente funcional, sadia e sensata, não deveriam usufruir de tantos direitos assim. A primeira destas rebeliões, que ocorreu no Compaj – Complexo Penitenciário Anísio Jobim – em Manaus, no dia 2 de janeiro, acabou com 56 presidiários mortos, constituindo-se na maior chacina do sistema prisional brasileiro, desde o massacre do Carandiru, que ocorreu a 2 de outubro de 1992, e terminou com 111 detentos mortos. Depois da rebelião no Compaj, seguiram-se outras rebeliões, desta vez em presídios em Roraima e Rondônia, deflagrando uma crise no sistema prisional brasileiro. Os veículos de comunicação, evidentemente, fizeram todo um circo midiático em torno do acontecimento. Com a morte de dezenas de presidiários, o que está acontecendo, afinal, com o sistema penitenciário brasileiro? Não existe segurança alguma para os detentos?

     Policiais enchem caçamba do veículo com "presunto",  jargão para cadáveres de criminosos
    O que as pessoas fazendo tais perguntas esquecem – deliberadamente ou não – de levar em consideração, é que os indivíduos em questão são pedófilos, estupradores, homicidas, e contraventores da pior espécie. Que não hesitariam em pegar uma chave de fenda enferrujada e furar todo o seu corpo com ela, nem que fosse para roubar apenas dois reais. Então, eu pergunto: é realmente necessário perder tempo demonstrando compaixão por esta classe de indivíduos? Não, não é. E em um país onde a pena capital não existe, morticínios em penitenciárias onde criminosos matam criminosos constituem-se no único favor que presidiários são capazes de oferecer à sociedade brasileira: a aniquilação de indivíduos imprestáveis, completamente incapazes de executar atos benévolos e altruístas, que matariam a qualquer um de nós sem a menor hesitação, mesmo que fosse para roubar apenas uma moeda. 

    Mas quem são, e o que querem as pessoas que defendem criminosos?

    Pessoas que defendem criminosos nem sempre fazem isso com más intenções. Em sua ingenuidade, e incapacidade de compreender como o mundo realmente funciona, elas pensam que todas as pessoas são boas, e que não existe maldade. Pensam que indivíduos que cometem crimes são levados à criminalidade pelo desespero, mas uma vez que tiverem uma chance, um apoio, alguém que lhes estenda a mão, alguém que acredite neles, transgressores e contraventores podem se redimir, aprender com os seus erros, pagar sua dívida perante a sociedade, e tornarem-se indivíduos produtivos e felizes, que não precisam ter toda a sua vida definida pelo drástico erro de uma única decisão ruim: a decisão de ter cometido um crime, seja ele qual for. Tudo muito lindo e poético. Digno do filme a Dama e o Vagabundo. Mas um conceito completamente simplório e totalmente irrealista.

    Em alguns casos – 1% deles –, o exemplo acima procede. Isso ocorre quando o indivíduo não é criminoso, mas levado pelo desespero, ou por uma decisão ruim tomada em algum momento de fraqueza, tomou a deplorável decisão de cometer um crime. Mas os outros 99% dos casos são totalmente diferentes. 

    Criminosos são mortos em tentativa de assalto a unidade do Bradesco, em Santa Luzia, no Maranhão
    A malignidade não apenas existe, como é um elemento inerente do comportamento humano. A verdade é que precisamos desesperadamente de religião e legislação para conter os impulsos bestiais da natureza humana, mesmo assim, em muitos casos, ambas não se mostram eficientes nem suficientes para minimizar a brutalidade e a agressividade do temperamento humano, com suas virulentas inclinações, sempre tão dispostas a arruinar, matar, aniquilar e destruir. No nosso caso, sabemos muito bem que a República Federativa do Brasil, neste quesito, deixa totalmente a desejar, por possuir um judiciário apático e um legislativo sonolento, que são, na melhor das hipóteses, completamente coniventes e condescendentes com a criminalidade, o que contribui para agravar exponencialmente o problema. 

    Mas e quem realmente paga com a própria vida pela omissão do combate ao crime?

    Quem paga com a própria vida são justamente os vulneráveis da sociedade: mulheres, crianças e idosos. Criminosos são indivíduos fundamentalmente covardes, e vão procurar fazer vítimas que dificilmente irão reagir. E que caso reajam, sejam facilmente dominadas. Homens são invariavelmente mais agressivos, e não raro reagem a assaltos. Sendo inerentemente imprevisíveis, podem colocar a vida do assaltante em risco. Desta maneira, vulneráveis sempre serão a primeira opção para a ação de criminosos. Como exemplo, podemos citar uma tentativa de assalto na cidade de Vacaria, no Rio Grande do Sul, que ocorreu a pouco mais de duas semanas. Um criminoso invadiu uma fazenda, e agrediu um homem e um casal de idosos. O casal foi baleado, e o homem foi agredido pelo criminoso com coronhadas. Determinado a lutar pela sua vida, o homem de 38 anos começou a lutar com o criminoso, e, conseguindo desarmá-lo, o matou em seguida com a sua própria arma. Salvou a si próprio, e o casal de idosos, que, embora tenham sido baleados, não o foram gravemente. 

    Por outro lado, um dos exemplos mais trágicos ocorreu em agosto do ano passado, em Porto Alegre. Cristine Fonseca Fagundes, de 44 anos, estava em seu carro, acompanhada da filha adolescente, parada em frente a uma escola no bairro Higienópolis, esperando o seu filho, quando foi abordada por um assaltante que pediu o seu telefone celular. Ao entregar o que o criminoso lhe pediu, mesmo sem reagir, Cristine foi morta com um tiro na cabeça.

    Cristine, bem como todas as demais vítimas de latrocínio em toda a história deste país, são as verdadeiras vítimas, perpetuamente esquecidas por veículos midiáticos sorrateiros, indiferentes e hipócritas e por comissões de direitos humanos que defendem quem não merece. Lamentar a morte de presidiários é uma aberração antinatural, além de uma pérfida e ignominiosa falta de consideração sem precedentes para com as verdadeiras vítimas da violência e da criminalidade no Brasil. Evidentemente, é necessário compreender o fato de que esta questão é complexa e apresenta problemas de natureza estrutural. O sistema carcerário brasileiro é terrivelmente improfícuo e deficiente, e não faz uma separação coesa entre criminosos brutais e reincidentes, de delinquentes culpados por crimes mais brandos, que não envolvem coerção, intimidação ou violência física. E devemos levar em consideração também o fato de que inúmeros indivíduos inocentes estão atrás das grades, pagando por crimes que não cometeram. Não obstante, a esmagadora maioria dos detentos que estão cumprindo sentenças prisionais são indivíduos da mais alta periculosidade: não apenas precisam estar impreterivelmente segregados, e completamente separados da população civil, como não farão falta nenhuma para a sociedade, caso venham a ser mortos em rebeliões. Pelo contrário, os familiares de suas vítimas agora podem finalmente encontrar um pouco de paz.

    A verdade é que, em um país que só procura a justiça para satisfazer bandidos, delinquentes, homicidas e contraventores, rebeliões prisionais como as que testemunhamos a algumas semanas, em diversas regiões do país, com presidiários matando detentos de facções rivais, despedaçando-os, mutilando-os e triturando-os, nós temos aquela sensação de desforra, que o governo, em toda a sua letargia, incompetência, indiferença e desfaçatez, é incapaz de nos proporcionar. Não que o morticínio em si seja algo bonito. Não é. Mas é muito bom ver criminosos culpados – ao invés de homens, mulheres e crianças inocentes – sendo mortos, só para variar. 

    Mas, e do que precisamos, realmente?

    Precisamos de uma legislação forte. Nada de regime semiaberto, nada de liberdade condicional. Uma vez que um criminoso entrasse em uma prisão, ele não poderia mais sair. Precisamos de pena capital para crimes hediondos. Um sistema legislativo fraco e deficiente mata milhares de brasileiros todos os anos. O nosso fraco, condescendente e ineficiente legislativo é um dos maiores assassinos do mundo. E quando digo brasileiros assassinados, me refiro a vítimas, e não a criminosos mortos por outros criminosos, ou detentos mortos em rebeliões. Porque, para quem ainda não entendeu, eu não me importo nem um pouco com essa gente. 

    Outra questão totalmente refutável é a de que é justificável alguém ser criminoso por ser pobre. A grande maioria dos pobres não se torna criminoso. E a pobreza é um dos fatores mais irrelevantes para determinar se um indivíduo ingressará, ou não na criminalidade. Embora inúmeros estudos já tenham sido realizados nesta questão, predisposições inerentes de caráter estão entre os fatores mais preponderantes. E o fato de que inúmeros criminosos também são procedentes da classe média alta refutam totalmente a pobreza como fator fundamental para um indivíduo tornar-se um criminoso. E nas raras vezes em que a pobreza torna-se um elemento de relevância, ela não necessariamente colocará a vida de outros seres humanos em risco. Um indivíduo que rouba um saco de pães para matar a sua fome e a de sua família dificilmente irá agir de forma brutal, mortífera, violenta ou agressiva. 

    Outra questão de igual relevância é a teoria racial, que tenta justificar a criminalidade em função das desigualdades sociais. Embora o seu contexto tenha coerência, esta teoria afirma que o que ocorre no atual panorama da criminalidade brasileira é um resultado natural das discrepâncias sociais entre negros e brancos. Como os negros sofreram uma injustiça histórica que nunca foi reparada, é natural que muitos tornem-se criminosos, pois jamais terão as mesmas chances que indivíduos caucasianos. Mas então eu digo: as pessoas que estão vivas hoje não são culpadas por erros históricos que começaram há séculos, e não têm a menor obrigação de pagar com a própria vida por um erro que não cometeram. 

    Felizmente, nem tudo está perdido. Temos, por todo o território nacional, policiais que realmente não se dispõem nem um pouco a fazer carinho em bandidos. Assim como temos também criminosos de incomensurável incompetência, que, em virtude da pressa, planejamento precário e falta de inteligência, todos os dias acabam perdendo a vida em confrontos com a polícia, em decorrência de ações ilícitas mal executadas, ou em função de planos mal elaborados. Mas é claro que, nessas ocasiões, as autoridades competentes acabam invariavelmente tendo que prestar contas a representantes dos direitos humanos. Algo que nunca – ou raramente – acontece, quando os mortos são policiais.

    Indubitavelmente, a inversão de valores atingiu proporções grotescas e alarmantes, na República Federativa da Corrupção, da Indolência e da Permissividade, aonde se defende muito quem não merece, e se negligencia totalmente quem merece apoio, cuidados e atenção. Mas não podemos desistir desta cruzada, em prol dos direitos do brasileiro de valor. Direitos humanos, apenas para seres humanos corretos. É lamentável quando alguém distorce a lógica punitiva, e afirma, para argumentar contra a pena capital, que “é errado o estado matar, para dizer que é errado matar”. O errado nós já estamos fazendo há muito tempo. Que tal fazer o certo, só para variar? Pena Capital, sim, para crimes hediondos!

    Devemos entender fundamentalmente que direitos humanos são um dever, uma obrigação, e não um privilégio. Merece direitos humanos quem exerce esses direitos. Quem não exerce, não deveria ser contemplado por eles. Como pode ter o direito à vida alguém que tira a vida de um ser humano? Eu queria muito que alguém explicasse para os familiares de Cristine Fonseca Fagundes que ela teve o direito de morrer, mas o homicida que tirou a vida dela tem o direito de viver. E que o estado se dispõe a fornecer todo o aparato de sua defesa. De sua defesa jurídica, e da defesa de sua vida. 

    Com certeza, sempre que um criminoso é morto, eu penso na vida que acabaram de conquistar todas as pessoas, que seriam suas futuras vítimas. Bandido bom é bandido morto. Inversão de valores ou pena de criminosos são doenças que nunca me contaminaram. 






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