CAMPO GRANDE (MS),

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    07/11/2016

    ARTIGO| Motivação da ocupação das escolas. Direito ou abuso?

    *Por: Francisco das C. Lima Filho

    Desde que o Governo editou uma Medida Provisória com mudanças no sistema educacional brasileiro, passaram a ocorrer em praticamente todo o País, ocupação de escolas publicas e agora mais recentemente também de universidades, por estudantes que protestam contra a forma como se pretendeu fazer a reforma e ao mesmo tempo, também contra a Proposta de Emenda Constitucional que limita os gastos públicos, o que terminou por causar sérios problemas levando, inclusive, ao adiamento do ENEN para milhões de estudantes que pretendem ocupar as vagas nas universidades públicas.

    A indagação que se pode fazer a respeito desse movimento é até que ponto ele se legitima, à medida que impediu que milhares de outros estudantes que não a ele aderiram realizasse as provas do ENEN na data prevista, além de ter causado gastos de milhões para os cofres públicos num momento de absoluta escassez de recursos, inclusive para investir na educação. 

    Em primeiro lugar, não se pode negar a legitimidade inicial do movimento, pois tem por objetivo demandas específicas ligadas a discussão como a pretendida reforma foi imposta por Medida Provisória a respeito de um assunto tão complexo que requer discussão e diálogo com os interessados, incluídos os próprios estudantes, professores, técnicos em educação de outras áreas do saber e a sociedade em geral, o que nem sempre é possível, pelo menos na profundidade desejada no caso de uma Medida Provisória.

    Desse modo, fica a indagação: até que ponto a matéria era urgente e inadiável a ponto de, se não editada a Medida poderia, a sociedade poderia sofrer danos de natureza irreparável que pudesse justificar a regulação por meio desse tipo de medida, que como sabemos tem prazo determinado para ser votada.

    Essas questões por si mesmas justificam e legitimam o movimento, pois visa em verdade abrir o diálogo com o Governo de modo a contribuir para o aperfeiçoamento e a qualidade do ensino de primeiro e segundo graus, base para o ingresse na universidade. 

    E nessa perspectiva, parece não existir dúvida da legitimidade do movimento que nada mais representa do que o exercício do democrático direito de livre manifestação e participação democrática garantido pela Constituição da República.

    O direito à liberdade de expressão e, por conseguinte, de livre manifestação, assume um lugar central no processo democrático com o reconhecimento dos direitos fundamentais pela Carta de 1988. Tem, assim, uma função instrumental relativamente à afirmação da liberdade individual de pensamento e de opinião que se revele no direito à livre manifestação. 

    A Constituição de 1988 reconhece a liberdade de expressão (art. 5º, incisos IV) nela incluindo o direito de opinião que alberga pensamentos, ideias e opiniões bem como a forma em estas são expressadas.

    Exatamente por constituir uma das mais fundamentais liberdades democráticas constitucionalmente garantidas, o exercício do direito de manifestação, constituindo uma das dimensões da liberdade de expressão, não pode sofrer restrição além de certos limites que têm fundamento no respeito à ordem pública e à boa-fé.

    É claro, que como todo direito ou liberdade, também a liberdade de expressão e de manifestação deve ser exercida de forma ordeira e com balizas, o que não se pode, como tem ocorrido, é simplesmente impedir o exercício desse direito sob a invocação de um potencial dano ao patrimônio privado, pois isso se mostra completamente desproporcional, à medida que impede o exercício do próprio direito que o Texto Magno garante.

    Tudo não obstante, não é razoável que referida liberdade seja exercida de modo a impedir que outros possam exercer seus direitos, entre eles, o fundamental direito à educação. Como todo direito, a liberdade de expressão e de manifestação não é absoluta.

    Assim entendido, apesar da legitimidade inicial do movimento estudantil de ocupação das escolas, terminou inviabilizando que milhares de estudantes pudessem participar do ENEN na data marcada, além de originar gastos que serão pagos pelo contribuinte num momento de gravíssima crise financeira, o que terminou deslegitimando o próprio movimento.

    Espera-se, pois, cautela e melhor compreensão dessa forma de manifestação dos estudantes, pois não se pode usar o movimento para a prática de atos de violência ou de provocação de dano ao patrimônio alheio, inclusive ao patrimônio público tampouco para impedir o exercício de outros direitos igualmente fundamentais como a educação.

    É necessário cautela e prudência de ambos os lados para que se abra um diálogo construtivo de forma que os maiores interessados na reforma do ensino sejam ouvidos antes de se tomar qualquer medida que os atinja.


    *Desembargador do TRT da 24ª Região.


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