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    03/10/2016

    Opinião | Morre Shimon Peres, o verdadeiro símbolo e a alma de Israel

    Peres foi membro do Knesset, o corpo legislativo do Estado de Israel, por quase 48 anos, de 1959 a 2007 - Divulgação

    Dia 28 de setembro morreu aos 93 anos de idade Shimon Peres, o homem que possivelmente foi não apenas o maior líder político da história de Israel, mas também o mais elementar de seus estadistas. Nascido a 2 de agosto de 1923 na Polônia (em território que atualmente faz parte da Bielorrússia), Szymon Perski – como era o seu nome de batismo – conheceu, ainda na infância, o lendário Menachem Mendel Schneerson, fundador e coluna espiritual da Chabad Lubavitch, e um dos mais influentes líderes religiosos judeus do século 20. Acreditando ter nascido em função de uma benção que seus pais receberam de um rabino ortodoxo, o futuro líder do porvindouro estado de Israel muito precocemente demonstrou o seu orgulho em ser judeu, bem como de sua educação religiosa ortodoxa. Não obstante, o homem que se tornaria o maior líder político do diminuto estado judaico se mostraria, desde o princípio de sua vida, um estudante esforçado, que valorizava de forma ímpar a instrução, a educação e o entendimento. Como resultado, tornou-se um homem culto, loquaz e polivalente, um erudito poliglota que falava seis línguas (francês, inglês, russo, iídiche, hebraico e polonês, seu idioma natural), além de ser um dedicado poeta e compositor. 

    Começando nos anos 1940 uma carreira na política, que se estenderia por aproximadamente 70 anos, e faria dele um notório e sagaz homem público – primeiro de nível nacional, depois internacional – Shimon Peres ficou sob a tutela de David Ben-Gurion, o fundador do moderno estado de Israel. Neste período de sua vida, Shimon Peres abraçou a causa política da nação que ajudou a criar, e permaneceria sendo uma das figuras da liderança até sua aposentadoria, em 2014, sendo, à época, considerado o mais velho homem de estado do mundo. 
    Peres com o presidente russo Vladimir Putin - Divulgação

    Com uma visão política pragmática e abrangente, sempre em busca de soluções e resultados, nos tempos modernos Shimon Peres foi um dos primeiros políticos israelenses a sugerir drástico embargo econômico ao Irã, enquanto este não abandonasse seu programa de armamentos nucleares. Peres igualmente deplorava e rechaçava a retórica ameaçadora, que transbordava ódio e hostilidade, do presidente iraniano Mahmoud Ahmadinejad, que frequentemente expressava seu desejo de “varrer Israel do mapa”. Não obstante, sempre buscando viabilizar abordagens e resoluções pacíficas para conflitos diplomáticos, Shimon Peres procurava jamais recorrer à força militar para resolver atritos políticos, mas acreditava firmemente que a negociação e o entendimento mútuo eram as formas mais eficazes para se chegar a um acordo. De fato, sua política de abordagem era condizente com a lucidez e a primazia de seus princípios. Peres chegou até mesmo a impedir a realização de um ataque militar de Israel ao Irã em 2010, que havia sido previamente orquestrado pelo Primeiro Ministro Benjamin Netanyahu, de caráter muito mais predisposto e inclinado a conflitos. 

    Agraciado com o Prêmio Nobel da Paz em 1994, juntamente com o líder palestino Yasser Arafat, e o seu conterrâneo, o político israelense Yitzhak Rabin, assassinado em novembro de 1995, Shimon Peres veria o ano terminar com relativo sucesso, em virtude da formalização do tratado de paz entre Israel e Jordânia. A conclusão do tratado foi uma ocasião de enorme celebração, pois encerrava oficialmente décadas de hostilidades entres as duas nações. 

    Não obstante, entre suas qualidades, a humildade parecia destacar-se sobremaneira. Aprendendo que a arte política é feita de altos e baixos, Peres sabia ocupar tanto cargos de liderança – sem demonstrar arrogância, soberba ou afetações de superioridade – como sabia exercer posições de subalterno, buscando executar com competência e prontidão as designações que lhe eram confiadas. 

    Conhecido também por seu apoio a Ariel Sharon, Peres chegou a mudar de partido para apoiar o então Primeiro Ministro, até este ser incapacitado por um derrame. Quando tornou-se presidente de Israel, Peres fez um discurso no qual afirmava buscar um resgate dos valores tradicionais judaicos, e igualmente notabilizou-se por empenhos admiráveis em consolidar a paz no Oriente Médio.

    Evidentemente, como qualquer político, Peres teve sua cota de polêmicas e controvérsias, especialmente quando teria negado o Genocídio Armênio. É possível, no entanto, que tal declaração tenha sido feito de forma calculada – possivelmente orquestrada por seus assessores –, para atingir determinadas ambições políticas, neste caso, amenizar atritos diplomáticos com a Turquia, nação responsável pela perseguição e pelo extermínio de aproximadamente um milhão e meio de armênios, durante o período do Império Turco Otomano. Não obstante, a negação do Genocídio Armênio – em determinadas nações tão controversa quanto a negação do holocausto, ou ainda pior – teve repercussões drásticas em âmbito internacional. Posteriormente, o ministério israelense de relações exteriores tentou subverter a declaração feita por Peres, alegando que a negação do Genocídio Armênio não era verdadeira, e havia sido disseminada por agências midiáticas turcas. É possível que tal declaração tenha sido motivada também pelo fato de que Peres queria dar um destaque exclusivo ao Holocausto, reiterando o fato de que não houve na história genocídio de similar magnitude. 

    Alguns anos antes, até mesmo o comitê em Oslo responsável por escolher, selecionar e avaliar personalidades merecedoras do Prêmio Nobel da Paz expressaram grande arrependimento em tê-lo concedido a Shimon Peres, e lamentavam não poder retirar-lhe a condecoração. Alegaram que Peres foi negligente ao permitir a ocupação israelense de território palestino, menosprezando uma política de base, e isso o envolvia diretamente em crimes contra a humanidade. Ao reiterar a abusiva política doméstica, que priorizava soluções com conflitos, membros do comitê do Nobel manifestaram sua decepção e desapontamento pelo fato de Peres não estar vivendo de acordo com os ideais que havia declarado, ao receber a honraria.
    No funeral de Shimon Peres, o presidente americano Barack Obama, e o Primeiro Ministro de Israel, Benjamin Netanyahu - Divulgação

    Na primeira quinzena de setembro, Peres sofreu um derrame, e foi internado, vindo a falecer duas semanas depois. Um lembrete simples, mas inevitável, de que até mesmo grandes homens – que se tornam mitos, celebridades e referências históricas de sua época – estão sujeitos às mesmas condições que nós, meros mortais. 

    Com sua partida, Israel indubitavelmente perde um de seus maiores estadistas. Não obstante, se o espírito de sua luta e persistência permanecer, e o seu legado for mantido, homens de estado de grandeza similar eventualmente poderão continuar o que Peres começou. 



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