CAMPO GRANDE (MS),

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    31/10/2016

    OPINIÃO| Líbia – Cinco anos sem Muammar Gaddafi

    Muammar Mohammed Abu Minyar Gaddafi alcançou o poder por meio de uma revolução
    pacífica, em setembro de 1969. 

    Muammar Gaddafi foi o terrível ditador que governou a Líbia por quarenta e dois anos, de 1º de setembro de 1969 a 20 de outubro de 2011. Há poucos dias atrás, a Líbia completou cinco anos desde que livrou-se do terrível, hostil e pérfido tirano, depois de uma breve, porém brutal e intensa guerra civil, fomentada pela insurreição de uma população profundamente exaurida, atormentada e massacrada, debilitada por décadas de cruéis, hostis e permissivos abusos totalitários, perpetrados por um virulento e egocêntrico homem desequilibrado, conhecido por sua extravagante personalidade pública, e por seu impetuoso hábito de conferir a si mesmo imponentes e soberbos títulos grandiloquentes, que exaltavam a sua importância como herói da pátria, e líder do povo. Não obstante, Muammar Gaddafi certamente foi mais bem sucedido do que a grande maioria dos ditadores contemporâneos, que normalmente usufruem de governos instantâneos e efêmeros, e são usualmente depostos tão rapidamente quanto chegam ao poder.
    Gaddafi foi ditador da Líbia por 42 anos, de 1969 a 2011. 

    Nascido no início dos anos 1940 – é desconhecida a data exata de seu nascimento – em uma comunidade humilde de pastores nômades beduínos, Muammar Gaddafi era um teórico político, que, uma vez no exército, organizou e liderou um movimento de resistência, alcançando o poder através de um golpe não violento, que desestabilizou a monarquia. Aproveitando-se da ausência do rei Ídris I, que encontrava-se na Turquia para tratamento médico, Gaddafi não perdeu a oportunidade de alçar-se ao poder quando teve a chance, através de uma revolução relâmpago, que ficou conhecida como Revolução de Setembro. Tornando-se popular entre os líbios em virtude do seu charme pessoal, carisma social e indiscutível apelo político, rapidamente Muammar Gaddafi foi capaz de consolidar seu status como líder inconteste da Líbia, dando início a um regime que se mostraria tão desumano quanto fatal e catastrófico.
    Gaddafi, na juventude, ao iniciar a ascensão na carreira política.

    Determinado a consolidar em seu país uma visão muito particular de socialismo – conhecida como socialismo islâmico – Muammar Gaddafi criou de fato um estado com diretriz profundamente socialista, que tinha no epicentro de seus objetivos suprimir toda e qualquer oposição. Gaddafi, como diretor e líder máximo do comitê que organizava a perseguição aos opositores do seu regime, era dominado primariamente por uma dissoluta e distorcida visão religiosa, que legitimava todos os seus terríveis e pérfidos desígnios. Criado como muçulmano sunita, Gaddafi acreditava que era da vontade de Alá que ele governasse a Líbia, e isso lhe dava o direito de fazer tudo o que estivesse ao seu alcance, para atingir todos os seus objetivos. 

    Depois que sua proeminência nacional fora alcançada, não demorou para Muammar Gaddafi tornar-se conhecido fora da Líbia. Depois de hostilidades bélicas com países vizinhos como Chade e Egito por questões fronteiriças, em 1986 os Estados Unidos bombardeou Trípoli e Bengazi, em retaliação a um atentado terrorista que ocorreu em uma discoteca em Berlim, que matou dois soldados americanos, supostamente arquitetado pelos líbios. Tendo um dos alvos dos bombardeios sido a própria residência de Gaddafi, que ficou completamente destroçada, posteriormente o ditador líbio mudou-se para um enorme bunker reforçado, com inúmeras acomodações subterrâneas. 

    Poucos anos depois, a oposição doméstica a Gaddafi começou a crescer, e a se desenvolver de maneira cada vez mais ampla. Ao criar novas milícias, expandir as operações de repressão – até mesmo dentro de seu círculo político e militar – e tentar desenvolver armas de destruição em massa, diversas tentativas de assassinato à Gaddafi – evidentemente frustradas – foram executadas, o que deixou o ditador ainda mais enfurecido, levando-o a intensificar a repressão aos seus opositores. Na década seguinte, os movimentos de oposição a Muammar Gaddafi passaram a ficar cada vez maiores, e a ocorrer em uma escala cada vez mais expansiva, de maneira que contê-los passou a ser uma tarefa monumental, cada vez mais impossível de se controlar. 

    Não obstante, o século 21 viu uma retração nas hostilidades, e o que parecia ser, aparentemente, ao menos, um Muammar Gaddafi mais humanitário e conciliatório. Ao condenar os ataques terroristas de setembro de 2001 aos Estados Unidos, Gaddafi envolveu a Líbia no combate ao terrorismo, e alguns anos depois anunciou a total supressão do programa doméstico de desenvolvimento de armas nucleares. Neste período, Gaddafi iniciou uma série de reformas domésticas, que alavancaram de forma exponencial a economia do país, atraindo bilhões em investimentos estrangeiros. 

    A frágil estabilidade promovida pelas reformas desta época socialmente mais tranquila, no entanto, rapidamente se dissipou, conforme a primavera árabe insuflava movimentos revolucionários por todo o mundo muçulmano. Na Líbia, não foi nem um pouco diferente. Cansados do regime de terror de Muammar Gaddafi, e de diversos problemas sociais, como pobreza e desemprego, que seu governo fora incapaz de solucionar, a revolução social desencadeada pela insatisfação geral da população com relação ao governo cruel, nefasto e homicida de Muammar Gaddafi veria o princípio de uma guerra civil, que teria até mesmo intervenções da OTAN.

    Determinado a ficar no poder a qualquer preço – e pensando que seria relativamente fácil manter-se, afinal, já ocupava a posição de líder supremo da Líbia há quatro décadas – Muammar Gaddafi deu ao exército autonomia para desferir pesados ataques sobre os rebeldes revolucionários, dando início a um brutal conflito que arrasaria Trípoli completamente, e invariavelmente se estenderia para outras regiões do país.

    Depois de um conflito de oito meses, que deixou um terrível saldo de quase vinte mil mortos, Muammar Gaddafi foi capturado e morto pelos rebeldes, a 20 de outubro de 2011. Muitos dos seus familiares e simpatizantes, além de membros do governo, sofreram destino similar nas mãos dos rebeldes, sendo sistematicamente eliminados em execuções sumárias.

    Muammar Gaddafi teve o fim que normalmente todo o ditador tem. Depois de fazer a sua nação afundar no caos, a sua inevitável derrocada demorou a chegar, mas invariavelmente chegou. Derrubado de sua posição pela população que oprimiu, Muammar Gaddafi é o tipo de indivíduo que não merece ser lembrado, sob circunstância alguma, mas deve sim, ser completamente obliterado da história do seu país. Não obstante, ainda irá demorar um tempo considerável até a Líbia cicatrizar plenamente todas as feridas – certamente ainda abertas – que foram infligidas em sua população pelo incoercível e inclemente domínio voraz de um ditador cruel, brutal e sanguinolento, determinado a controlar o poder, a todo e qualquer preço. Em 2014, uma segunda guerra civil teve início na Líbia, entre duas facções politicas, que buscavam o total controle sobre a nação. Não obstante, muito menos sangrenta e divisória do que a guerra anterior, estas duas facções políticas aparentemente consolidaram um acordo de paz, unindo-se para efetivar um único e legítimo governo, que até o momento é frágil e está em seu período formativo. Não obstante, pode ser um recomeço, e a esperança de que um regime totalitário jamais volte a se instaurar no país. 




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