CAMPO GRANDE (MS),

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    12/09/2016

    Cármen Lúcia toma posse nesta segunda na presidência do STF

    Ministra também chefiará o CNJ por dois anos; Toffoli será o vice. Mineira chamou Caetano Veloso para cantar hino e dispensou festa. 

    Cármen Lúcia, na entrada do plenário do STF (Foto: Dorivan Marinho/SCO/STF)

    A ministra Cármen Lúcia toma posse nesta segunda-feira (12) como presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), a mais alta Corte do país. Durante o mandato de 2 anos, ela também chefiará o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), órgão de controle do Judiciário. O vice do STF será Dias Toffoli, que também será empossado na cerimônia, marcada para as 15h.

    Há 10 anos no STF, Cármen Lúcia será a segunda mulher a ocupar o cargo. Quando foi nomeada, em 2006, por indicação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a presidente da Corte era a ministra aposentada Ellen Gracie.

    Para a solenidade de posse foram convidadas cerca de 2 mil pessoas, entre autoridades dos Três Poderes, membros do Ministério Público, advogados e familiares. A sessão será aberta pelo atual presidente, Ricardo Lewandowski, e pelo presidente da República, Michel Temer.

    Para cantar o hino nacional, foi convidado Caetano Veloso. Fugindo à tradição, Cármen Lúcia declinou de uma festa de posse, em geral paga por associações de magistrados num salão de festas em Brasília. A dispensa é motivada pelo momento de crise econômica, mas também traduz parte do estilo de vida contido e modesto da ministra (leia mais abaixo).

    O discurso de boas vindas será feito, por escolha de Cármen, pelo ministro Celso de Mello. A secretária-geral do STF e braço direito da ministra será a juíza Andremara dos Santos.

    Mudanças

    Como presidente do STF, caberá a Cármen Lúcia elaborar a pauta semanal de julgamentos do plenário, formado pelos 11 ministros da Corte. Com isso, ela deixa a Segunda Turma e dá lugar a Lewandowski. O colegiado, formado por cinco ministros, analisa, entre outros casos, a maioria dos processos de políticos investigados na Operação Lava Jato.

    Lewandowski também assumirá a responsabilidade sobre 3,2 mil processos hoje sob relatoria de Cármen Lúcia.

    Entre os mais importantes, está uma ação que questiona a lei de 2013 que mudou a divisão dos royalties do petróleo, cortando fatia de estados e municípios produtores em favor dos demais. A nova regra foi suspensa por Cármen Lúcia no mesmo ano, mas o julgamento definitivo sobre o caso poderá validar a lei e redistribuir a verba gerada com a commodity.

    Outro caso importante a ser repassado ao ministro são investigações da Operação Zelotes, envolvendo autoridades suspeitos de envolvimento em compra de decisões do Carf, órgão que analisa contestações a cobranças de tributos e multas pela Receita.

    No CNJ, Cármen Lúcia já anunciou que fará uma gestão voltada para a situação de mulheres presas, como tentativa de melhorar a situação de vida delas. No STF, tende a priorizar ações de impacto social -- o sinal foi dado na pauta da primeira semana, voltada a ações trabalhistas e que envolvem direito à educação, saúde e proteção à família.
    Cármen Lúcia preside sessão do STF, em agosto, substituindo Ricardo Lewandowski (Foto: Rosinei Coutinho/SCO/STF)

    "Não gosto muito de festas, de nada disso. Eu gosto de processo" Cármen Lúcia, em despedida de ministros na Segunda Turma

    Perfil

    Nascida em 19 de abril de 1954 em Montes Claros (MG), Cármen Lúcia Antunes Rocha viveu a infância em Espinosa, cidade de 32 mil habitantes localizada no extremo norte de Minas, quase na divisa com Bahia.

    Tem duas irmãs e três irmãos. Aos 10 anos, mudou-se para Belo Horizonte para estudar num internato de freiras. Professa a religião católica e nunca se casou nem teve filhos.

    A ministra costuma preparar as próprias refeições e cuidar da casa, além de dirigir o próprio carro para ir ao STF, dispensando motorista e carro oficial.

    O estilo modesto e contido ficou explícito no último dia 6, quando se despediu dos colegas da Segunda Turma do STF: "Eu não tenho a mesma, digamos, tranquilidade para algumas funções do cargo de ministro do Supremo, porque não gosto muito de festas, de nada disso. Eu gosto de processo", disse, acrescentando que é "muito feliz" e se diverte nas sessões.

    Formada em direito, em 1977, pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG), começou a carreira jurídica como advogada, mas, antes de chegar ao Supremo, foi procuradora do estado de Minas.

    Cármen Lúcia é mestre em direito constitucional pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e especialista em direito empresarial pela Fundação Dom Cabral. Ela é autora de sete livros focados, sobretudo, em direito de Estado e administração pública.

    "Tentar calar o outro é uma constante, mas na vida aprendi que quem por direito não é senhor de seu dizer, não se pode dizer senhor de qualquer direito" Cármen Lúcia, ao defender fim da autorização prévia para publicação de biografias

    Posições

    Cármen Lúcia se destaca pela fala firme, pausada e didática durante os julgamentos. Assim como o colega Luís Roberto Barroso, gosta de esclarecer e resumir, de forma simples em seu voto no plenário, decisões técnicas e complexas que estão sendo tomadas pela Corte.

    A ministra também chama a atenção por frases impactantes ao expressar suas posições, sobretudo em casos polêmicos. Uma das últimas foi dita quando defendeu o fim da necessidade de autorização prévia para publicação de biografias:

    "Na ciranda de roda da minha infância, alguém ficava no centro gritando 'cala a boca já morreu, quem manda na minha boca sou eu'. O tempo ensinou-me que era só uma musiquinha, não uma realidade. Tentar calar o outro é uma constante, mas na vida aprendi que quem por direito não é senhor de seu dizer, não se pode dizer senhor de qualquer direito".

    Em outro julgamento recente, votou para suspender a lei que autorizou pacientes com câncer a fazer uso da fosfoetanolamina sintética, a chamada "pílula do câncer". Justificou que faltavam estudos para demonstrar a eficácia ou mesmo efeitos adversos do medicamento. Antes, porém, ponderou sobre o sofrimento dos pacientes:

    "A dor tem pressa, o desengano impõe uma demanda urgente, leva até o desespero. Quando a pessoa está no desengano, ela busca qualquer coisa, eu também buscaria [...] O câncer tem um peso pelo nome, a palavra é tão pesada, tão estigmatizada, que por ela já leva ao desengano, e leva ao sofrimento não só uma pessoa, às vezes muito mais quem está perto e que queria se colocar no lugar do outro e não pode. E a vida não é assim".

    "Houve um momento em que a maioria de nós brasileiros acreditou num mote segundo o qual uma esperança tinha vencido o medo. Depois, nos deparamos com a ação penal 470 [mensalão] e descobrimos que o cinismo tinha vencido aquela esperança. Agora parece-se constatar que o escárnio venceu o cinismo" Cármen Lúcia, ao votar pela prisão de Delcídio do Amaral

    Ao julgar casos de corrupção, a ministra foi dura nas palavras. Quando votou a favor da prisão do senador cassado Delcídio do Amaral, gravado tentando obstruir a Operação Lava Jato, fez uma leitura crítica da trajetória do PT no poder:

    "Na história recente da nossa pátria, houve um momento em que a maioria de nós brasileiros acreditou num mote segundo o qual uma esperança tinha vencido o medo. Depois, nos deparamos com a ação penal 470 [mensalão] e descobrimos que o cinismo tinha vencido aquela esperança. Agora parece-se constatar que o escárnio venceu o cinismo".

    Quando julgou o mensalão, Cármen Lúcia repreendeu a própria defesa de Delúbio Soares, ex-tesoureiro do PT que tentava atribuir repasses a políticos somente como caixa dois (doação não declarada de campanha) e não como compra de apoio parlamentar:

    "Acho estranho e muito, muito grave, que alguém diga, 'houve caixa 2'. Caixa 2 é crime, é agressão contra a sociedade brasileira. Mesmo que tivesse sido isso, não é pouco. Me parece grave, porque parece que ilícito no Brasil pode ser realizado e tudo bem".



    Do G1 e da TV Globo, em Brasília
    Por: Renan Ramalho e Mariana Oliveira