CAMPO GRANDE (MS),

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    11/07/2016

    OPINIÃO | Snipers americanos: carnificinas urbanas e shooting sprees

    Polícia de Dallas responde à chamada sobre tiroteio, durante passeata do grupo de direitos afro-americanos Black Lives Matter. 

    A fábrica de mortandades, carnificinas urbanas, spree killings e assassinatos em massa no qual os Estados Unidos se tornou está ficando mais recorrente, rotineira e comum do que nunca. A barbárie está se tornando tão normal e recorrente, e ficando tão profundamente agrilhoada ao cotidiano dos norte-americanos, que está cada vez mais difícil se impressionar, ficar embasbacado, pasmo ou surpreso quando uma carnificina acontece em território americano. Quer dizer, recém completou um mês, desde que ocorreu o mais brutal e letal massacre envolvendo armas de fogo na história dos Estados Unidos – o terrível morticínio na boate Pulse, em Orlando, na Flórida, que ocorreu em 12 de junho, e deixou cinquenta mortos e cinquenta e três feridos – e as carnificinas simplesmente não param. Pelo contrário, parecem apenas aumentar em número e com fôlego redobrado, com algumas delas ganhando enorme destaque na imprensa doméstica e na mídia internacional, enquanto outras não. 
    O suspeito, posteriormente identificado como Micah
    Xavier Johnson, reservista do exército americano e veterano da guerra 
    no Afeganistão, morto após confronto com a polícia. 

    Ne semana passada, no dia 7, um veterano da guerra do Afeganistão, um afro-americano de vinte e cinco anos de idade chamado Micah Xavier Johnson, abriu fogo contra um grupo de doze policiais, e dois civis em Dalas, no Texas, matando cinco oficiais, durante um protesto pacífico, organizado por ativistas de um movimento que luta pelos direitos afro-americanos. Profundamente consternado com o tratamento injusto de negros pelas forças policiais americanas, Xavier Johnson tinha por objetivo – de acordo com algumas fontes não de todo confiáveis – matar policiais e pessoas brancas, tantas quantas fosse possível, e realizar uma vendeta pessoal em nome de todos os negros injustiçados no país, vítimas da brutalidade policial. É necessário salientar que, de fato, nos dias anteriores, incidentes fatais envolvendo homens negros mortos por policiais foram destaque na mídia, tanto doméstica quanto internacional, apesar destes fatos lamentáveis serem mais recorrentes do que o público imagina. No dia anterior ao tiroteio em Dallas, no dia 6, Philando Castile, um negro de trinta e dois anos, foi brutalmente alvejado e morto por um policial, enquanto estava no seu carro, com sua namorada, em Falcon Heights, no estado de Minnesota, depois de ser abordado. Sua namorada, Diamond Reynolds, gravou o ocorrido com o seu celular, e imediatamente publicou o vídeo, que viralizou nas redes sociais. Ainda, no dia anterior a esta fatalidade, dia 5, Alton Sterling, um negro de trinta e sete anos de idade, foi alvejado e morto por policiais em Baton Rouge, na Louisiana, depois de uma abordagem equivocada, ao ser confundido pelos oficiais com um delinquente, cuja descrição era similar a sua. 

    Evidentemente, a brutalidade policial – que acontece em todos os lugares, não apenas nos Estados Unidos – não é um problema raro, incomum ou recente. O espancamento do taxista negro Rodney King por policiais do departamento de polícia de Los Angeles, em 1991, gravado por uma testemunha, – e visto inúmeras vezes por Xavier Johnson – teve imensurável repercussão internacional na época, e denunciou um problema enfrentado de forma recorrente por afro-americanos. Então, quem pode culpar Xavier Johnson por guardar sentimentos de ódio, rancor e frustração, sendo parte de um grupo constantemente discriminado, abusado e desfavorecido, que de forma muito corriqueira têm o seu estado de direito rotineiramente desprezado? 

    Xavier Johnson, como muitos dos assassinos em massa americanos, tinha um histórico militar. Johnson integrou a reserva do exército americano por seis anos, de 2009 a 2015, e serviu no Afeganistão por oito meses, entre 2013 e 2014. Com indícios que apontavam problemas de conduta e saúde mental, Xavier Johnson quase recebeu uma despensa desonrosa do exército americano, por desobediência aos padrões militares de comportamento. Ainda assim, Johnson acabou sendo desligado com uma dispensa honrosa, e não sem anteriormente ter recebido diversas medalhas e condecorações por seu desempenho militar. Não obstante, as condecorações são um procedimento padrão do exército americano, entregues a todo e qualquer militar que serve em uma zona de conflito. 

    O tiroteio do dia 7 ocorreu em uma passeata liderada pela organização dos direitos afro-americanos, chamada Black Lives Matter (Vidas Negras Importam), que acontecia justamente como uma forma de protesto, que, antes do tiroteio começar, estava sendo conduzido de forma pacífica, pela morte dos dois negros citados acima, Philando Castile e Alton Sterling, símbolos americanos recentes da brutalidade policial nos Estados Unidos. 

    Depois de abrir fogo, e inesperadamente fazer vítimas fatais, e não fatais, atirando de diferentes andares de um prédio nas cercanias, desorientando policiais que à princípio não conseguiam discernir de onde vinham os tiros, Johnson, que parecia ter algum conhecimento da direção que o protesto seguiria, posteriormente continuou a troca de tiros em local aberto, o que gerou minutos de intempestivo, imprevisível e apreensivo conflito. Johnson, que acabou sendo alvejado diversas vezes por diferentes policiais quando se evadiu do edifício em que estava, acabou se refugiando em uma garagem subterrânea nas proximidades, onde a violenta troca de tiros com policiais continuou, e ali mais um oficial acabou sendo ferido. Com a intensificação das dificuldades, e o caráter aparentemente irredutível de Johnson, a descoberta de um pacote suspeito exigiu a presença do esquadrão antibombas no local. Xavier Johnson pouco depois declarou ter plantado muitas bombas pelo estacionamento, e também em diversos pontos da cidade. Alguns momentos depois, exigiu falar apenas com policiais negros. Ferido, exaurido e encurralado, Johnson acabou sendo morto por uma bomba, anexada a um robô operado por controle remoto.
    O presidente americano Barack Obama, em um pronunciamento oficial na Casa Branca, classificou o ocorrido como 
    um "vicioso, calculado e desprezível ataque".

    O presidente em exercício, Barack Obama, em um pronunciamento oficial, voltou a defender um controle mais rigoroso sobre a venda e a circulação de armas no país. Novamente – quão previsível –, o mesmo discurso usado exaustivamente em ocasiões similares voltou a ser repetido. É o mesmo velho, enferrujado e desgastado solilóquio, reproduzido sempre que um massacre envolvendo armas de fogo vira um escândalo nacional, embora todos saibam que na prática, nada disso irá acontecer, e nenhum controle rigoroso será implementado.

    Hoje, os Estados Unidos ocupa um lugar sem paralelo na história mundial das carnificinas urbanas, dos assassinatos em massa, dos shooting sprees e dos spree killings, com ocorrências que chegam a ser semanais, e em determinados casos, até mesmo diárias – se levarmos em consideração até os eventos “isolados”, que não recebem qualquer tipo de cobertura ou atenção por parte da mídia –, estas deploráveis e sórdidas fatalidades tornam-se invariavelmente cada vez mais comuns e recorrentes. E mais uma vez, o governo federal americano se pronuncia, através de suntuosos e idílicos discursos presidenciáveis, proferidos no conforto e na segurança da Casa Branca, que lamentam a terrível e atroz tragédia, enquanto a indústria bélica americana realmente não se importa nem um pouco com o que acontece, com o que aconteceu, ou com o que deixou de acontecer. O genoma vetorial da brutalidade policial, outro intrigante fator que faz parte do problema – tampouco listado entre as prioridades da elite governamental americana majoritariamente caucasiana –, com certeza em algumas semanas será completamente esquecido, até que tudo volte ao “normal”. Isto é, até ocorrer o próximo massacre, provavelmente nesta semana, e as políticas hipócritas de formalidade e conveniência tornarem obrigatório colocar o assunto em pauta de novo. 

    E quem são os culpados por tudo isto, senão eles mesmos? A funcionalidade da política americana se desenvolve encima de interesses governamentais elitistas, que priorizam interesses privados, guiados por necessidades primariamente econômicas. O grande problema é que os indivíduos que são saciados pelo status quo, e que ganham financeiramente com ele, nunca são vítimas da arapuca que os alimenta.


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