CAMPO GRANDE (MS),

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    11/07/2016

    Garça Negra do Pantanal

    *Escrito por Florentino Augusto Fagundes

    Estava em Corumbá, Mato Grosso do Sul, em férias. O evento escolhido para o dia era um passeio de barco pelo rio Paraguai e adjacências, direcionado para brasileiros. Na hora da saída, vi um Brasil na minha frente: nordestinos do agreste encantados pela exuberância de tanta água, gaúchos fascinados pela quantidade de peixes que havia ali na região, cariocas e paulistas, gente de todo canto lotando a embarcação. O entusiasmo era geral diante de tão intensa maravilha. Percebi, no entanto, um estrangeiro infiltrado entre nós. Era um alemão da cidade de Hamburgo.

    Quem gosta de natureza, o Pantanal é o lugar. Rios caudalosos, remansos de águas calmas, corixos (uma espécie de canal com correnteza e tudo) interligando lagoas enormes, vegetação densa, muita árvore frondosa, algumas inteiramente floridas. Aves e bichos de toda espécie – e ao menos pra mim, um calor infernal.

    O pôr do sol foi um espetáculo à parte. Aquele disco de fogo avermelhado, que se deixava finalmente encarar, no encerramento da excursão, lentamente resfriado pelas águas do rio Paraguai. A luz dourada descia tingindo tudo, a terra e o céu. Só aquela exibição notável de cores tremelicantes quando o astro rei tocou o horizonte líquido, já valeu o passeio.

    Mesmo diante de tanta exuberância, o guia fazia questão de exagerar. Valorizava todo e qualquer detalhe. Um gambá fedido visto num galho foi descrito como “nobre micurê das planícies”. Consciencioso, ficava sério ao relatar coisa triste: aquelas águas, agora em paz, testemunharam no passado batalha feroz entre Brasil e Paraguai. Em relação a variedade da fauna, era uma eloquência atrás da outra.

    - Vocês irão enjoar de ver jacaré grande, não gastem filme com filhotes. Não iremos perder tempo parando para contemplar sucuri com menos de cinco metros. Nem posso prometer pra hoje, mas conheço uma onça de nome Pantera que devora carne fresca em minha mão, quando resolve aparecer na barranca do rio.

    Lá pelas tantas travei conversa com o alemão. Queria particularmente saber por que do passeio entre brasileiros. Respondeu entusiasmado o quão amava nosso povo e nossa cultura, via ali uma oportunidade para treinar o português. Dei uma apertada de leve e ele prontamente confessou o verdadeiro motivo: mulher, e explicou direitinho.

    - Eu querer brasileira para esposa, desejar companheira calorosa para vida toda.

    Não sei quanto a você, eu acredito desconfiando. Se o Heinz sonhava mesmo contrair aqui o sonhado matrimônio, ou desejava nossas mulheres por menos tempo, realmente eu não sei. Mas que estava bem aculturado, isso sim. Logo no início da viagem rio abaixo, quando o guia saiu com a estória da onça, foi ele que exclamou, para gargalhada geral.

    - Então Aguinaldo, ser você o amigo do onça?

    Depois à tarde, ele também gargalhou gostoso, como só nós brasileiros sabemos fazer, ao formular pergunta maliciosa, e sobretudo pela resposta malandra que ouviu. Foi quando um urubu atrevido pousou no mastro da embarcação que agora subia o rio.

    - Aguinaldo, não vai nos apresentar o grande ave?
    Ao que o guia, então quieto, se entusiasmou.

    - Esta é a garça negra do pantanal...



    Filho e neto de paranaenses, nasceu em Ribeira SP em 7 de fevereiro de 1961. Entre os treze e dezesseis anos trabalhou ajudando seu pai no Mercado Municipal em Curitiba, experiência que lhe rendeu a crônica “O Sabor da Maçã.” Mudou-se em definitivo para Curitiba em julho de 1977. Desde criança inventava estórias, embora não as registrasse. Escreveu alguns contos e uma peça de teatro na década de 80, os quais lhe renderam dois prêmios literários. Ainda nos anos 80 chegou a escrever um romance, que depois destruiu porque considerou horrível. Segundo ele, a editora Record foi generosa ao recusar a publicação relatando polidamente “seu material tem pouca literalidade”.

    Daí decidiu investir na carreira e na família. “Só volto a escrever quando for doutor e meus filhos estiverem crescidos”, dizia quando algum amigo lhe cobrava a publicação do tal livro.
    Graduou-se em Matemática, cursou especialização em Engenharia da Qualidade, concluiu mestrado e doutorado em Engenharia Mecânica, tudo isso na Pontifícia Universidade Católica do Paraná PUCPR, onde é professor desde 1995. Além de trabalhar no comércio, foi bancário e empresário. Casado, é pai de um casal de filhos.

    Assumiu oficialmente a condição de escritor, ao publicar a crônica “O Crânio” em sua página no Facebook no dia 2 de outubro de 2015.

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