CAMPO GRANDE (MS),

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    13/06/2016

    Fatalidade em território americano – O mais mortífero ataque a tiros na história dos Estados Unidos

    Interior da boate Pulse, onde ocorreu a tragédia

    O ataque à boate LGBT em Orlando, na Flórida, considerado o mais mortífero ataque a tiros na história dos Estados Unidos, foi a grande notícia no mundo, no final-de-semana que recém terminou. Como um alvo constante de ameaças e atentados que reivindicam as causas mais absurdas e desumanas, os Estados Unidos está sempre na berlinda, como escolha primária para atentados violentos, que tiram um incalculável número de vidas, ano após em ano. Então, dentre os pouquíssimos dirigentes governamentais a nível federal realmente consternados com este problema, ressurge mais uma vez a velha questão: como romper este alarmante padrão, que apenas cresce pelo país inteiro, sem jamais dar sinais de retroceder? 

    Não é segredo algum que a indústria bélica americana têm forte influência no congresso, sendo capaz de coibir e refrear toda e qualquer emenda que tenha por objetivo barrar, regular, restringir e fiscalizar arduamente a comercialização de armas no país. Em virtude do conflito de interesses, da pressão econômica, e da influência dos grandes cartéis de armas americanos, todas as tentativas criadas para reforçar um controle absoluto sobre a venda e o porte de armas nos Estados Unidos têm sido, na maioria das vezes, vazio e infrutífero. Para a indústria bélica, a única coisa de real valor é o dinheiro. Seres humanos são objetos invariavelmente descartáveis. 
    Policiais esperam reforço, do lado de fora da boate Pulse, local do atentado.

    Estima-se hoje que existam nos Estados Unidos aproximadamente quatrocentos milhões de armas. Com uma população de aproximadamente trezentos e vinte e três milhões de habitantes, existem hoje mais armas do que pessoas, nos Estados Unidos. É possível sentir-se seguro, em um país assim? 
    Omar Saddiqui Mateen, suspeito
     identificado como autor do atentado


    O suspeito pelo massacre na boate Pulse, na madrugada de domingo, foi identificado como Omar Saddiqui Mateen, rapaz de vinte e nove anos, com um histórico problemático de instabilidade mental, misoginia e homofobia. Um americano com pais afegãos, a descendência levantou sobre o rapaz suspeitas de possíveis motivações terroristas, abalizadas pelo fato do próprio indivíduo ter declarado sua lealdade ao Estado Islâmico, em ligação que teria feito ao número de emergência 911. Não obstante, todas e quaisquer conclusões nesse quesito são bastante prematuras, visto que até o presente momento, não foi confirmado nenhum vínculo factual entre Omar Saddiqui Mateen e o Estado Islâmico. 



    Não obstante, o rapaz já havia sido investigado pelo FBI em ocasiões anteriores, quando foi denunciado por colegas de trabalho, que teriam considerado suspeitas suas declarações simpatizantes ao terrorismo. Convocado pela agência federal, em ao menos três ocasiões distintas, para prestar esclarecimentos sobre o seu suposto envolvimento com células terroristas, Omar Saddiqui Mateen foi liberado após todos os interrogatórios que foi intimado a prestar, por falta de evidências conclusivas. 

    No entanto, estar Saddiqui incluso em uma lista de prováveis suspeitos de atividades terroristas não o impediu de adquirir legalmente as armas, com as quais veio a perpetrar uma das maiores e mais sanguinolentas chacinas na história dos Estados Unidos. Aproximadamente uma semana antes de executar a mortandade na boate Pulse, Saddiqui comprou um rifle calibre 223 e uma pistola 9mm semiautomática. Até o presente momento, o saldo da tragédia ficou em cinquenta mortos e cinquenta e três feridos. 

    Em um pronunciamento oficial realizado na Casa Branca algumas horas depois, o presidente Barack Obama classificou o morticínio como “um ato de terror e de ódio”. Conhecido por tentar colocar em prática diversas emendas que restringiriam de forma severa o controle e o comércio de armas nos Estados Unidos – sem nenhum sucesso – o presidente americano, que muito em breve chegará ao fim do seu mandato, demonstrou, como em outras ocasiões, profunda consternação pelo ocorrido, e expôs como um fato consumado o enorme problema que o fácil acesso a armas representa, para cada americano individualmente, e para a nação como um todo, quando a questão é a segurança da população. Diversas agências de notícias passaram a recordar os inúmeros atentados que vêm acontecendo pelo país, com uma frequência cada vez maior, se espalhando de forma generalizada, como uma epidemia. Ataques terroristas independentes, por si só difíceis de se prevenir ou detectar, estão se alastrando, e tornando-se cada vez mais comuns em território americano, e o temor de que venham a se propagar cada vez mais tende apenas a aumentar, o que têm demonstrado ser de fato um padrão crescente, sem expectativas de reversão. O atentado da Maratona de Boston, ocorrido a 15 de abril de 2013, perpetrado pelos irmãos quirguizes-americanos Tamerlan e Dzhokhar Tsarnaev, que matou três civis inocentes durante a maratona, e o atentado de São Bernardino na Califórnia, em dezembro de 2015, em um centro comunitário, que matou quatorze pessoas e feriu vinte e duas, perpetrado por um casal – identificado como Rizwan Farook e Tashfeen Mali –, tornam-se ocorrências aleatórias violentas e deliberadamente planejadas cada vez mais recorrentes. Não obstante, a conclusão que parece silenciar todas e quaisquer expectativas de se reverter este turbulento e apreensivo quadro de terrorismo doméstico, indica que as autoridades americanas não estão mais preparadas hoje para enfrentar este tipo de ameaça, do que estavam há dez ou quinze anos atrás. 

    Ataques aleatórios, como o que ocorreu em Orlando, na Flórida, além dos citados acima, caracterizam-se por seu primordial aspecto imprevisível: ainda que o(s) perpetrador(es), afirme possuir alguma conexão com células ou organizações terroristas, muitas vezes elas não são factuais, existindo apenas na cabeça do agressor. Em muitos casos, no entanto, determinadas organizações terroristas assumem, ou posteriormente abalizam, estes mesmos atentados, ainda que não tenham conexões reais ou logísticas, nem tenham promovido diretamente tais atrocidades, apenas para vangloriarem-se como autores ou coautores da tragédia. 

    Tendo morrido na troca de tiros com a polícia, Omar Saddiqui Mateen veio a ser mais um radical extremista, que impôs irreparável e contumaz sofrimento sobre centenas de pessoas, direta e indiretamente. Com sua morte, a impossibilidade de encontrar uma real motivação por trás do atentado torna-se um fato deplorável, e novamente a sociedade americana terá que lidar com as inexoráveis cicatrizes e as hediondas feridas de uma sórdida fatalidade, que, há julgar pelos padrões cíclicos de tragédias similares, que vem se repetindo pela nação ano após ano, provavelmente se repetirá muito em breve. Não sabemos aonde, nem como, nem quando será. Existe apenas a invariável e apreensiva certeza absoluta de que uma tragédia similar ocorrerá, e muito em breve. E as mesmas velhas, cansadas e exauridas questões sobre o fácil acesso a material bélico, bem como aos estatutos que regulamentam a fiscalização e a comercialização de armas no país, serão novamente discutidas e colocadas em pauta – como estão sendo agora, neste exato momento –, sem que haja qualquer tipo de mudança ou resultado, em prol da segurança da população. Aonde o dinheiro fala mais alto, a vida não possui valor algum. 



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