CAMPO GRANDE (MS),

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    09/05/2016

    ARTIGO| Relembrando a Crise Constitucional de Honduras

    Apoiadores do presidente deposto, Manuel Zelaya, entram em confronto com soldados, perto da residência presidencial, em Tegucigalpa (29 de junho, 2009). [Fonte: http://archive.boston.com/

    Quem acha que o Brasil é o único país no mundo a passar por crises políticas devia olhar para o mundo com um pouco mais de frequência, pois infelizmente isso é bem mais comum do que deveria ser. Em 2009, Honduras, um pequeno país da América Central, passou por uma conturbada e irrefreável crise constitucional, como nunca antes havia ocorrido em toda a sua história.
    Manuel Zelaya, presidente de Honduras, deposto a 28 de junho de 2009.

    A princípio, tudo começou quando o então presidente Manuel Zelaya decidiu realizar um referendo, para efetuar alterações na constituição, o que provocou reações polêmicas tanto de seus partidários como de seus detratores, visto que algumas das alterações propostas eram tão drásticas que passariam a permitir a reeleição presidencial, o que então não era permitido pela constituição hondurenha. A suprema corte rapidamente entrou em ação para impedir o que entendia como sendo uma ilegalidade, mas atritos entre os poderes estabelecidos deflagraram um iminente estado de divergências e caos. Não obstante, brechas legislativas, abismos judiciais, irreconciliáveis disputas partidárias e incongruentes atritos populares acabaram gerando um conturbado panorama de inquietações nacionais de cunho governamental, que rapidamente contaminou o país ao tomar proporções irracionais. E o que foi considerado por muitos como um golpe de estado para tirar do poder o presidente em exercício seguiu-se a este insólito preâmbulo de políticas agressões passivas. 
    Roberto Micheletti, presidente interino durante a crise constitucional.

    Removido do poder e exilado na Costa Rica, Zelaya foi substituído por Roberto Micheletti, que ocupava a posição de Presidente do Congresso, sendo de fato o sucessor de Zelaya no cargo presidencial. Não obstante, os hondurenhos foram obrigados a passar por um deplorável estado de caos civil, que chegou a suspender suas liberdades e direitos individuais, a princípio em caráter temporário. De repente, de uma hora para outra, os hondurenhos já não tinham mais como usufruir da sua liberdade de expressão, movimento, associação e reunião, direito de ir e vir e aquisição de habeas corpus. Um provisório governo interino havia abruptamente se instalado no poder, e todas as liberdades individuais da população, outrora garantidas pela constituição, de repente, de uma hora para outra, já não existiam mais.

    As opiniões rapidamente se dividiram com relação ao que ocorria em Honduras, e a repercussão internacional invariavelmente seguiu-se ao caos doméstico, com diversos órgãos e instituições estrangeiros classificando o acontecimento como um golpe de estado. Assim como ocorre hoje no Brasil, ambos os lados permaneceram irredutíveis com relação às suas posições, e nenhum acordo pôde ser realizado, ou idealizado. Tentando agir como mediadores da crise, os governos dos Estados Unidos e da Costa Rica rapidamente engajaram-se em um esforço conciliatório, que mostrou-se vão, e completamente incapaz de produzir resultados, em parte devido às posições radicais e intransigentes de ambos os lados, nem um pouco dispostos a ceder ou negociar. Dessa maneira os hondurenhos passaram a ver nas porvindouras eleições a única chance de se trazer novamente uma certa estabilidade à nação. 

    Não obstante, de diversos pontos de vista, a crise política hondurenha passou a ser vista e representada como um golpe de estado. De acordo com os partidários deste ponto de vista, a tentativa do presidente Manuel Zelaya de alterar a constituição foi usada como um pretexto para o golpe, jamais se tratando de uma tentativa legítima de defender a integridade constitucional da nação. É possível que, ao propor alterações na constituição, no entanto, especialmente com relação às cláusulas concernentes à reeleição, Zelaya poderia estar apenas buscando o seu próprio benefício, para reeleger-se, e ficar na presidência por mais um mandato. 

    Não obstante, os atritos entre ambos os lados escalaram em proporções internacionais, repercutindo de formas intensas pelos quatro cantos do mundo, dividindo as opiniões, e gerando estudos políticos, judiciais e sociológicos quanto à legitimidade – ou a falta dela – do que ocorria em território hondurenho, sendo acirrados os debates concernentes à atribulada situação que o país vivia. Se o que ocorria em Honduras era lícito, democrático e constitucional, ou não, dividiu posições e opiniões, e resultou em calorosas discussões e debates. 

    Episódio histórico que invariavelmente pode ser dividido hoje em diversas etapas, o que os hondurenhos enfrentaram, de uma forma ou de outra, ajudou no processo de consolidação da democracia de seu país. Não obstante, sempre haverá um ou dois lados errados em uma mesma história, e cada qual disposto a relatar os fatos de acordo com a versão que mais lhe convém. 

    A crise começou a amainar quando Porfirio Lobo, do Partido Nacional, foi eleito presidente, assumindo o cargo a 27 de janeiro de 2010. Depois de um período de tempo exilado na República Dominicana, Manuel Zelaya pôde retornar pacificamente a Honduras. O que mostra que todas as crises são temporárias. Basta termos paciência e esperar que passem.