CAMPO GRANDE (MS),

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    20/08/2015

    O que deu errado com a Iugoslávia?

    Ilustração

    Embora a resposta para esta pergunta seja complexa, existem sim, alguns fatores que podem ser considerados os maiores agravantes para as guerras que consumiram a Península Balcânica, e acabaram por desmantelar a Iugoslávia, nos anos 1990, e entre estes fatores, com certeza o mais destrutivo deles, senão o pior, foi o nacionalismo sérvio. A Iugoslávia, federação composta por sete repúblicas, a saber, Eslovênia, Croácia, Bósnia-Herzegovina, Montenegro, Sérvia, Macedônia e Kosovo, deparou-se com uma grande crise, especialmente de caráter político e econômico, quando o seu governante perpétuo, o presidente em caráter vitalício Josip Broz Tito, morreu, em 1980. Embora múltiplos fatores tenham colaborado, de fato, para as diversas repúblicas tornarem-se dissidentes, e entre estes, poderíamos dar especial ênfase para as incompatibilidades étnicas e socioculturais das diversas raças e etnias que ali viviam, e sua notória incapacidade de coexistirem pacificamente, a situação econômica da Iugoslávia naquele momento da história foi determinante para que muitas de suas repúblicas constituintes decidissem se separar da federação, para tentarem a sorte sozinhas.

    A primeira delas a se separar foi a Eslovênia, que, dentre todas as ex-repúblicas iugoslavas, foi a que menos sofreu com as guerras nos Balcãs, seguida pela Croácia, e, logo depois, pela Bósnia-Herzegovina. O governo central iugoslavo, em uma desesperada tentativa de manter a unidade federativa intacta, rapidamente mobilizou o Exército Popular Iugoslavo para atacar e lançar ofensivas contra as repúblicas separatistas, e assim, uma década de caos, horror, destruição, genocídio, brutalidade e morticínio teria início. Mas um fator decisivo para a destruição que se seguiria a partir de então foi o crescimento de sentimentos nacionalistas, que passaram do contexto ideológico para o político, sem critérios ou discernimento, malgrado o descaso coletivo das terríveis implicações que fatores tão destrutivos acarretariam sobre a nação, como um todo, e sobre cada uma de suas vítimas, em particular. 

    Em determinado momento da história, todas as motivações e diretrizes políticas deixaram de ser iugoslavas, e passaram a ser sérvias. O nacionalismo sérvio rapidamente passou a fazer parte de todas as estruturas políticas e sociais de Belgrado, que, além de ser a capital sérvia, era também a capital iugoslava, e, aparentemente, nem todos foram perspicazes o suficiente para discernir o que era realizado com motivações iugoslavas (federais), e o que era realizado com motivações sérvias (locais); não demorou para que o nacionalismo sérvio, deste ponto em diante alcançando proporções cada vez maiores, viesse a influenciar também os alicerces militares da nação, especialmente o Exército Popular Iugoslavo. No exército, militares não-sérvios evidentemente não viam com simpatia demonstrações de sentimentos pró-sérvios entre seus colegas, tampouco eram condescendentes com a intolerância demonstrada a indivíduos de outras etnias ou nacionalidades. Aos poucos, claramente desconfortáveis com a situação, montenegrinos, albaneses kosovares, macedônios, croatas, bósnios e eslovenos foram pedindo exoneração de suas respectivas unidades militares, e o Exército Popular Iugoslavo passou a contar apenas com sérvios em seu contingente. 

    Desta maneira, o exército nacional foi radical, porém gradualmente transformado em uma unidade paramilitar sérvia de tendências nacionalistas para operações de quase-milícia, e o aparato político acompanhou de perto o jogo de poder. Para observadores atentos, logo ficou evidente o que estava tomando forma. A guerra que então acontecia, como uma desculpa para manter a Iugoslávia unida, na verdade, por debaixo dos panos, tinha por reais intenções buscar a consolidação da “Grande Sérvia”, uma utopia do povo sérvio, radicalmente arraigada a conceitos nacionalistas de cunho tanto histórico quanto ideológico, que teria, presumivelmente, por finalidade, reunir todos os sérvios em um único grande território nacional. E, para observadores atentos, era exatamente isso o que acontecia. Slobodan Milošević, com a desculpa de estar lutando pela integridade territorial da Iugoslávia, na verdade, estava colocando em ação os planos para a concretização da Grande Sérvia. Isso ficou especialmente evidente quando os sérvios deram início a diversas campanhas de limpeza étnica, e passaram – com diferentes níveis de sucesso – a ocupar territórios nas demais repúblicas. A partir destas operações militares de ocupação, nasceu a República Srpska – cujo significado direto, sem maiores preâmbulos, é República Sérvia –, de fato, um enclave sérvio em plena Bósnia-Herzegovina, de proporções consideráveis, ocupando até hoje nada menos que a metade do país. Analisar os problemas que acometeram a Península Balcânica, e que, por sua vez, acabaram por desmantelar a federação iugoslava, de fato, é uma tarefa com relativo grau de complexidade. 

    Mas, acima de tudo, podemos dizer que o problema real que acometeu todas aquelas pessoas foi sua incapacidade coletiva de enxergarem uns aos outros como seres humanos. Todos estes problemas e todas estas dificuldades foram geradas por pessoas condicionadas a olhar um indivíduo, e identificar uma etnia, uma raça, uma nacionalidade, um idioma ou uma bandeira, estando prontamente dispostas a rotular como inimigo todo aquele que fosse diferente. Quando vemos um indivíduo, devemos, antes e acima de tudo, enxergar um ser humano, não uma raça, uma nacionalidade, uma etnia, uma classe social ou o que quer que seja. Mas tendo tais conflitos ocorrido em um passado tão recente, ainda é cedo demais para dizer se todas aquelas nacionalidades e povos dos Balcãs aprenderam a lição. Gosto de acreditar que sim.