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    26/06/2015

    Shamil Basayev e a luta pela independência da Chechênia

    Shamil Basayev

    *Por: Wagner Hertzog

    Em pouco menos de um mês, a morte de Shamil Basayev completará nove anos, e é possível que, quando ela tenha ocorrida, a 10 de julho de 2006, as autoridades russas tenham encarado tal acontecimento com grande alívio, possivelmente contemplando a possibilidade das milícias separatistas chechenas encerrarem por completo suas atividades, bem como suas exigências por um estado político independente, já que o seu grande herói, o temível e radical militante checheno, considerado uma força militar ímpar das guerrilhas pancaucásicas, que parece ter feito das guerras pró-separatistas no leste europeu a grande causa de sua atribulada e conturbada vida, teve uma morte violenta, em decorrência de uma explosão, aparentemente causada pela manipulação acidental de uma mina terrestre. 

    Com um história peculiar, no entanto, extremamente de acordo com o violento contexto das repúblicas separatistas da região do Cáucaso, Shamyl Basayev nasceu em 14 de janeiro de 1965, em uma Chechênia então governada pela União Soviética. Com uma militância que se tornou radical durante o período de dissolução da URSS, Basayev engajou-se ardorosamente no movimento que lutava pela autonomia e pela independência da república, buscando libertá-la dos grilhões do governo russo, e, no processo, tornando-se um dos maiores expoentes da causa separatista. Não limitando seu escopo de atuação à sua terra natal, Basayev envolveu-se em muitos outros conflitos similares na região, como a guerra pela independência de Nagorno-Karabakh do Azerbaijão, e da República de Abkhazia, na Geórgia, sendo que, nesta última, ainda é visto como um grande herói, e um mártir das causas nacionalistas. 

    Não obstante, seu extenso envolvimento em diversas guerras e guerrilhas é bastante extenso, até mesmo para os padrões das milícias mais violentas, e inclui, não apenas os conflitos listados acima, mas os diversos combates relacionados às duas guerras da Chechênia, além de um acirrado e polêmico envolvimento na guerra da República do Daguestão, causada quando Basayev, sendo, à época, um dos líderes da Brigada Internacional Islâmica, ofereceu seu apoio ao grupo radical de militantes islâmicos do país vizinho, que acabaram unindo-se, e deflagrando uma guerra contra as forças militares da República do Daguestão, que, por sua vez, acabou recebendo apoio das forças federais russas, os Spetsnaz. Na guerra, as forças russas e daguestanis foram capazes de reconquistar os territórios controlados pelos rebeldes, além de forçar os militantes a recuarem para território checheno, sendo hábeis o bastante para ganhar a guerra com um mínimo de perdas e casualidades. No entanto, o conflito serviria de estopim para a segunda guerra da Chechênia, que – possivelmente antecipada pelo Kremlin – acabaria por garantir e consolidar definitivamente o controle russo do território, depois que a primeira guerra da Chechênia, tendo resultado em uma desmoralizante e inequívoca derrota para as forças federais, que obrigaram o governo do então presidente Boris Yeltsin a solicitar uma trégua, e, posteriormente, formalizar um acordo de paz com os rebeldes, acabou obrigando o governo central a aceitar a existência, bem como a independência – de facto – da República chechena da Ichkeria, por quase dez anos, antes que os russos acabassem virando o jogo na segunda guerra da Chechênia, tornando-a, novamente, território controlado pelo governo federal. 

    Não obstante, Shamyl Basayev, sempre hostil e obstinado, profundamente submerso nas convicções e nas causas políticas violentas em que acreditava, jamais parou com suas beligerantes atividades de contendas armadas e guerrilhas, fossem elas de cunho mercenário, político, ou terrorista.

    Embora nem sempre presente, existem fortes indícios de que tenha participado do planejamento de diversos atentados, entre eles, o notório caso da crise de reféns do teatro Dubrovka, que ocorreu entre os dias 23 e 26 de outubro de 2002, quando dezenas de militantes chechenos invadiram um auditório de teatro com centenas de pessoas, fazendo todas elas reféns. Armados com explosivos, os rebeldes exigiam a retirada das forças russas de seu país, bem como o fim da guerra. A crise, que, na época, chamou a atenção da imprensa internacional, teve um fim dramático, por terminar com a morte de aproximadamente cento e setenta pessoas, todas elas mortas por uma substância tóxica introduzida no sistema de ventilação do teatro pelas forças especiais do governo russo, que o fizeram, em uma desesperada tentativa de controlar a situação. Evidentemente tendo por objetivo eliminar os rebeldes, até hoje permanece a polêmica que levou ao uso da substância letal, que, além de matar todos os militantes extremistas, acabou tirando a vida de dezenas de reféns inocentes. 

    Outro polêmico massacre possivelmente orquestrado por Basayev – e que chamou igualmente a atenção da mídia em uma escala internacional – foi a notória crise da escola de Beslan, na República de Ossétia do Norte-Alânia – que lhe valeria a alcunha de Besta de Beslan –, de 1º a 3 de setembro de 2004, na qual os militantes fizeram aproximadamente mil e cem reféns, incluindo quase oitocentas crianças. As exigências feitas pelos militantes eram muito similares às da crise no teatro Dubrovka, quase dois anos antes: a retirada das forças militares e governamentais russas da Chechênia, e um reconhecimento formal de independência, por parte do governo russo e das Nações Unidas. Esta crise no entanto, teve um desfecho ainda mais fatal e trágico do que o atentado anterior, terminando com aproximadamente trezentos e oitenta e cinco fatalidades, dentre as quais cento e oitenta e seis eram crianças. 

    Em 2003, Basayev adotou o título de Emir Abdallah Shamil Abu-Idris, sendo então considerado pela mídia internacional como um dos terroristas mais procurados do mundo. Três anos depois, viria a morrer, durante uma explosão, supostamente orquestrada pela FSB, o serviço de segurança federal russo, que teria declarado a realização de uma operação específica para eliminá-lo. No entanto, militantes chechenos afirmaram que Basayev morreu durante uma explosão puramente acidental, que teria ocorrido enquanto o mesmo manipulava minas terrestres. 

    Seja como for, os chechenos jamais admitiriam – caso tenha sido esta a real causa de sua morte – que o óbito pudesse ter ocorrido em consequência de qualquer ação de parte da FSB, em função do fato de que isso seria o equivalente a admitir uma derrota tanto factual quanto ideológica. Não obstante, a sua morte nunca foi de fato esclarecida. De qualquer maneira, com a possível exceção de alguns militantes chechenos, não houve quem a lamentasse. Basayev viveu mais para causar destruição e sofrimento, do que para legitimar a real construção de uma nacionalidade chechena, empregando em todas as ocasiões possíveis uma truculenta, desumana e impiedosa violência para atingir seus objetivos, e esta mesma violência acabou por tirar-lhe a vida, precocemente, aos 41 anos de idade. 

    É inegável sua importância, no entanto, para o movimento político nacionalista checheno, bem como para sua ala militante, rebelde e terrorista, que fica evidente no fato de que ela ficou inadvertidamente enfraquecida após sua morte, em função da escassez de ações do movimento nacionalista checheno, e dos grupos rebeldes integrantes, aparentemente pálidos e desmotivados, em uma dissolução de sua veemência política, em virtude do fato de que atentados, reivindicações nacionalistas, e tentativas de afastar o governo russo diminuíram drasticamente, ainda que lutas esporádicas permaneçam vivas pelo território.


    Wágner Hertzog - Curriculum